Romance britânico trabalha premissa clichê de forma adorável
Téo Santos
20/02/2014 14:39
Cinemografia
Nem tudo precisa ser explorado de forma complexo, ainda mais quando o tema principal de discussão é nada menos que o amor, manifestação esta complexa por natureza. Questão de Tempo, terceira incursão do roteirista Richard Curtis na cadeira de diretor (seus outros trabalhos como diretor foram Simplesmente Amor e Os Piratas do Rock), é uma comédia romântica com leves toques de ficção-científica cujo cerne encontra-se na observação do enigmático sentimento através da amostragem das fases lógicas de um relacionamento: conquista, namoro, casamento, filhos, morte etc. Apesar do foco manter-se no entorno do casal formado pelos simpáticos Domhnall Gleeson (Dredd) e Rachel McAdams (Amor Pleno), a trama elaborada por Curtis explora também o seio familiar do primeiro, especialmente a relação entre o personagem de Gleeson e seu pai (Bill Nighy, de Piratas do Caribe: O Baú da Morte), cúmplices na capacidade de viajar pelo tempo.
Em Questão de Tempo somos apresentados ao tímido Tim (Gleeson), cujo talento para a conquista não é seu ponto forte, mas após o mesmo descobrir que possui a habilidade de voltar no tempo (apenas para o passado) começa a "testar" as melhores maneiras (quantas vezes forem necessárias) para conquistar a garota de seus sonhos. Sendo assim, com uma ou outra apelada para o recurso (sempre com a melhor das intenções), Tim consegue conquistar o coração da doce e atrapalhada Mary (McAdams) e ambos, entre altos e baixos, vão sedimentando seu caminho para o estabelecimento de uma família. Falando assim parece chato, não? Pois o filme concebido por Richard Curtis é tudo menos aborrecido, já que mesmo apresentando uma trama um tanto quanto quadradinha não deixa de envolver (e comover) através de diálogos inspirados, atuações carismáticas e uma ou outra citação de cunho filosófico, mas sempre de maneira leve (assim como os toques de cientificidade da obra, que encontra-se sempre em segundo ou terceiro plano), primando pelo desenvolvimento dos personagens e pela reflexão de temas ligados à questão familiar.
O casal formado por Gleeson e McAdams tinha tudo para não se encaixar - especialmente fisicamente -, mas a química entre ambos acontece, o que ajuda bastante a comprar a ideia do relacionamento de ambos. Gleeson incorpora o que seu fenótipo já sugere (sujeito estranho, mas simpático e de bom coração), portanto coube a McAdams o papel de nos convencer de que este casal é crível aos nossos olhos ao entregar uma personagem mais frágil e insegura do que sua imagem representa (afinal de contas, a atriz é uma linda, enquanto Gleeson é no máximo "engraçadinho") e esta consegue convencer com sobras, comprovando mais uma vez seu talento como atriz e a inteligência dos produtores ao escalarem-na como mocinha de histórias românticas. Todavia, talvez a maior surpresa do elenco encontre-se na figura de Bill Nighy, que deixa um pouco de lado as caras e bocas e os tiques cômicos e investe em um personagem mais sério e contido, mesmo que não deixe o humor totalmente de lado.
Filme de amor que caminha do sentido micro (homem e mulher) ao macro (família como um todo) de forma bastante natural, Questão de Tempo é mais um dos romances água com açúcar liderados por Richard Curtis, mas cujo diferencial permanece, pois mesmo que sua pegada seja "leve" nunca deixa de tratar de temas próximos a nossa vida, as angústias e anseios de nossa sociedade hoje. Bucólico mas conectado à geração iTudo, esta divertida jornada de amor e auto-descobrimento (não apenas para os personagens, mas também para quem assistir ao filme) pode não trazer grandes novidades ou proporcionar reflexões ímpares, mas abraça uma temática até certo ponto óbvia de forma contagiante e bem amarrada, sendo simplesmente aquilo a que pretendia desde o início: ser cinema.
Evitando o apelo aos sustos fáceis, suspense consegue honrar clássicos do gênero
Téo Santos
09/12/2013 14:04
Cinemografia
Invocação do Mal pode não ser o mais surpreendente dos filmes, mas sua abordagem "pé no chão" e reverencial aos filmes de terror clássicos o faz elevar-se a uma condição maior, especialmente quando comparado a safra do gênero nas últimas duas décadas. Sem handycam (câmera de/na mão), sem o recurso intitulado found footage e sem apelar para a estética torture porn - dentre outros, estes foram os elementos que caracterizaram grande parte da safra de horror dos últimos vinte anos -, o filme dirigido por James Wan (Jogos Mortais) é básico, contido e, por isso mesmo, instigante do começo ao fim, ganhando o espectador menos pelos sustos fáceis e pela utilização excessiva de computação gráfica e mais pela utilização de ruídos, trilha incidental marcante e construção de personagens aliada ao crescente suspense. Não é um filme revisionista ou inovador, mas sim uma obra que soube retomar muito bem o básico abraçado outrora.
Um dos grandes trunfos do filme está no senso de realidade estético-narrativo proposto por Wan, pelos roteiristas Carey e Chad Hayes (A Casa de Cera) e pelo diretor de fotografia John R. Leonetti (Mortal Kombat), que dá vazão ao elemento "inspirado em fatos reais" carregado pelo filme. Há bastante liberdade poética - tanto em relação ao registrado pelo clã Warren quanto pelo próprio nexo entre causa e efeito proposto pela obra - na construção do filme, mas estas não impedem que o senso de verossimilhança surja mais forte, elemento este - ao lado do clima de mistério e suspense da trama - que certamente fará com que o espectador permaneça atento do início ao fim da projeção.
Apesar de não contar com nomes do primeiro escalão de Hollywood, o elenco de Invocação do Mal encaixa muito bem a ambientação do filme. Patrick Wilson (Menina Má.com) e Vera Farmiga (Os Infiltrados) destacam-se como o casal Warren, mas Ron Livingston (minissérie Band of Brothers) e Lili Taylor (Inimigos Públicos) não ficam devendo, especialmente esta última, que se entrega (literalmente) de corpo e alma a personagem, tamanha a demanda física pedida pela mesma. As crianças também surgem bem, sendo assim necessário destacar a excelente escalação de elenco por parte de Anne McCarthy (Réquiem para um Sonho) e Kellie Gesell (O Assassino do Alaska). Não dá para transparecer pânico e horror sem um bom elenco e neste sentido o filme encontra-se muito bem servido.
Visualmente muito interessante, especialmente devido a fotografia muito bem posta por Leonetti, ao desenho de produção (Julie Berghoff, de Minhas Mães e Meu Pai) e figurino (Kristin M. Burke, deProcura-se um Amigo para o Fim do Mundo) que emula com primor a o visual setentista, além da trilha sonora composta por Joseph Bishara (Os Escolhidos), um "expert" em filmes B de horror, que aqui opta pelo emprego de uma trilha de cunho minimalista, cujo crescendo se dá de acordo com o desenrolar da tensão e o desvendar do mistério. Enfim, apesar de nenhum destes obterem destaque no âmbito individual, coletivamente conseguem agregar bastante ao filme, imprimindo assim a visão defendida pelo diretor James Wan.
Cinematograficamente bem conduzido e possuidor de elementos suficientes para atrair a atenção do público ávido por bons filmes de suspense/terror, Invocação do Mal pode cair na armadilha dos sustos fáceis durante seu terceiro ato, mas tem força suficiente para convencer seja devido ao poder de fogo de seu roteiro - cujo foco principal encontra-se não na exposição do passado da bruxa-demônio, mas sim no drama pessoal da família residente à casa assombrada e do casal de investigadores/estudiosos de eventos paranormais -, seja pelo cuidado estético da produção, que acerta ao adotar (na maioria das vezes) a sugestão do mal em detrimento da exposição/exploração imagética deste. Não é um filme revolucionário ou inesquecível e provavelmente não entrará no rol dos clássicos do gênero, mas não deixa de ser um filme interessante e instigante, sendo assim muito feliz em sua proposta.
O Lado Bom da Vida é um excelente feel good movie
Téo Santos
27/11/2013 18:53
Cinemografia
Não sei se daria o Oscar de melhor filme a O Lado Bom da Vida, mas é inquestionável que este é um excelente feel good movie, repleto de boas atuações, dono de um roteiro inspirador e bem amarrado, além de contar com a direção (e roteiro) de um dos queridinhos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o competente David O. Russell (Três Reis). Filme de "virada" - daqueles em que os personagens saem de um ponto ruim, aprendem (e compreendem a vida) e acabam em um ponto bom -, esta dramédia romântica acerta no tom e na mensagem apresentada, pois tem o poder de conquistar tanto o menos exigente dos espectadores, quanto aqueles que procuram algo mais. Longe de ser profunda, o filme de O. Russell trabalha temas complexos de forma simples, quase que caricatural, mas estes possuem tanta identificação para com o público que acabam funcionando sublimemente.
O foco do filme encontra-se na relação - e possível atração - entre dois underdogs, duas pessoas bastante problemáticas e desencontradas, que enxergam nos dilemas um do outro uma forma de superarem seus problemas. Tanto Bradley Cooper (Se Beber, Não Case) quanto Jennifer Lawrence (Jogos Vorazes) encontram-se excelentes em seus respectivos papéis, mas é Cooper quem mais surpreende - talvez pelo fato do ator nunca ter apostado em personagens mais complexos -, apesar de Lawrence ter recebido o Oscar por este trabalho (prêmio este que achei um tanto forçado, pois acredito que a atriz ainda vai entregar o papel - ou os papéis - de sua carreira, mas isto é outra discussão). Outro que aparece bem é Robert De Niro (Os Bons Companheiros), mostrando que, quando quer, ainda tem a capacidade de criar personagens interessantes. Não valia uma indicação ao Oscar - creio que o ator a recebeu mais pelo simbolismo do que realmente pela potência do seu trabalho -, mas é um bom papel/composição/personagem.
David O. Russell, tendo como base o best-seller escrito por Matthew Quick - até hoje líder de vendas no Brasil -, constrói uma interessante história sobre segundas chances e auto-descobrimento/conhecimento , além de passear pelo universo - bastante idealizado, obviamente - dos deslocados da sociedade, visto que não apenas os protagonistas do filme (ambos com transtorno de personalidade, sendo um deles inclusive recém saído de uma instituição de saúde mental) estão contidos nesta classificação, como também parte de suas famílias parecem ter um "parafuso" a menos (De Niro incluso). Ou seja, O. Russell entrega um olhar bastante sincero, mas contundente, acerca das paranoias e particularidades de cada um de nós, seres humanos, como indivíduos únicos e muitíssimo complicados. De certa forma o filme lembra outro título lembrado pelo Oscar há alguns anos: Jerry Maguire - A Grande Virada, dirigido por Cameron Crowe e estrelado por Tom Cruise, Renée Zellwegger e Cuba Gooding Jr.
Contagiante do início ao fim, O Lado Bom da Vida não se destaca apenas pela mensagem inspiradora que carrega, mas principalmente por sua construção apoiada ao máximo em verossimilhança, apesar de sua trama um tanto "conto de fadas". Certamente, nas mãos de um cineasta menos competente, o filme não passaria de um romance "água com açúcar" encabeçado por um bom elenco - aos moldes dos filmes de Garry Marshall -, mas devido ao refinamento de David O. Russell temos aqui uma obra simples, didática e emotiva mas que carrega junto pontos de debate e reflexão, interpretações fascinantes e uma construção narrativa no mínimo empolgante. Repito que não daria o Oscar a ele - como também não daria a Lincoln, Os Miseráveis, A Hora Mais Escura e Indomável Sonhadora -, mas é impossível não confirmar que este é um ótimo filme.
Casamento entre Eu Sou a Lenda e Contágio resulta em entretenimento eficiente
Téo Santos
26/09/2013 13:22
Cinemografia
Espécie de casamento entre os filmes Eu Sou a Lenda e Contágio, tendo como referência o clima de tensão e a correria do primeiro, junto à cientificidade induzida pelo segundo, Guerra Mundial Z, primeiro blockbuster estrelado por Brad Pitt desde Tróia - Sr. e Sra. Smith é um blockbuster, mas de espectro menor -, pode ser definido como uma peça de entretenimento bem realizada, cujo diferencial reside no foco duplo entre o drama vivido pelo personagem de Pitt (pai de família que, para manter a família a salvo após a misteriosa pandemia zumbi, deve voltar a exercer a função de investigador associado a Organização das Nações Unidas - ONU) e a ação desenfreada, união esta que resultou bastante saudável a obra, empregando uma energia distinta a mesma, apesar de sua trama um tanto quanto previsível.
Dirigida pelo eclético Marc Forster (O Caçador de Pipas), esta adaptação da obra de Max Brooks chama a atenção logo de cara pela estrutura narrativa mais próxima ao jornalismo, dando uma carga de veracidade ao filme que acaba por ser um de seus maiores trunfos quanto ao chamamento da atenção do espectador. Equilibrado no sentido de explorar ação sem que para isso deixe de focar nos dilemas das personagens destacadas no roteiro, especialmente os do personagem de Brad Pitt, a construção (ou costura de eventos) realizada pela equipe de roteiristas funciona a contento, pois a estrutura episódica - a bem verdade, o filme parece uma colagem de vários curtas-metragem, cujo protagonista é o mesmo - contribui para o fortalecimento da mensagem que o filme quer passar, que destaca a pequenez da humanidade perante um universo de eventos da natureza - naturais ou provocados - aos quais o homem não pode impedir. Méritos aos roteiristas que se debruçaram nesta colagem multifacetada: Matthew Michael Carnaham (Intrigas de Estado), Drew Goddard (O Segredo da Cabana), Damon Lindelof (Prometheus) e J. Michael Straczynski (A Troca).
É bem verdade que o foco global - o título já adverte - e a tentativa de dar um embasamento científico (ou pelo menos uma motivação científica) dá um certo diferencial a este filme, como também um maior foco no afetamento psicológico e físico daqueles que tem de enfrentar indivíduos contaminados por uma praga misteriosa que os deixa, além de loucos e irracionais, muito mais fortes e velozes que o ser humano comum. Com isso, as ótimas performances de Pitt e Mireille Enos (Caça aos Gângsteres) - esta com participação bastante reduzida - acabam se destacando, especialmente Pitt, que entrega um personagem bastante "humano", cuja coragem e perseverança não o transforma em um super-homem ou em um sujeito invulnerável, muito pelo contrário, são perceptíveis os sentimentos de dúvida, desolação, receio e fragilidade externalizados pelo personagem. Sendo assim, méritos ao belo (em todos os sentidos) que é Brad Pitt.
Gosto de Marc Forster como diretor e, apesar de um ou outro trabalho dele não me agradar por diversos motivos, é inegável a qualidade do mesmo como construtor imagético. Seu ecletismo é, ao mesmo tempo, tanto seu maior atributo quanto seu calcanhar de Aquiles, pois nem sempre seu estilo de direção se encaixa com a história/gênero abraçado pelo mesmo. Felizmente, o diretor suíço encaixou-se bem neste longa de ficção-científica distópico recheado de ação, pois, apesar de não mostrar nada de substancialmente novo, cataloga e compacta diversos elementos que geralmente são pouco desenvolvidos em outros filmes do gênero, dando ênfase tanto a questões políticas e sociais, quanto a pontos relacionados à natureza humana de sobrevivência. É certo que alguns destes temas acabam não sendo tão aprofundados pelo longa, até por que o mesmo é assumidamente uma obra atrelada a ação, mas isto não quer dizer que deixe de trabalhar a dramaticidade atrelada a esta própria ação. Ou seja, apesar da correria e da urgência serem o grande chamariz do filme, ambas não passam de consequências a um evento dramático anterior, ideia esta que é razoavelmente bem estabelecida pelos roteiristas e primorosamente decupada por Forster.
Entretenimento eficiente, Guerra Mundial Z sofre um pouco com a variação de qualidade de seus efeitos visuais - geralmente, quando digitais, os zumbis não parecem verossímeis -, mas compensa pelo ritmo frenético recheado de tensão, que nunca soa raso ou cansativo. A produção do filme passou por sérios problemas, especialmente quando em pós-produção, tendo inclusive seu desfecho passado por algumas mudanças. Particularmente não me senti incomodado com a resolução da obra - e com isso não digo que a mesma é espetacular, mas sim que serve bem ao propósito desta como um todo -, até por que o caráter episódico sugerido faz sentido, casando bem com a grandiosidade desta pandemia e conflito. Menos cerebral e mais emotivo, Guerra Mundial Z é um bom início para uma possível nova franquia, cuja muleta reside na qualidade do elenco e na provocação acerca da pequenez de poder do ser humano perante a pequenez concreta de um mal que pode ser percebido, mas nunca visto em sua essência. Certamente este é um filme feito para quem abraça essa ideia, porém , gostando ou não de zumbis (que possuem 'ene' definições), as chances de que o espectador seja conquistado pelo poder de fogo (literalmente) da obra é alta.
Primeiro filme estrelado por Marcelo Adnet não vai contra a corrente, mas guarda certo charme
Téo Santos
08/09/2013 15:52
Cinemografia
O que me fez querer conferir Os Penetras (que, na minha opinião, deveria se chamar "Os Vigaristas" ou "Os Golpistas", já que o mote do personagem de Adnet e cia. não é simplesmente "invadir" festas glamourosas, mas sim aplicar golpes) foi o fato do filme ser dirigido por Andrucha Waddington, realizador de filmes celebrados como Lope, Casa de Areia e Eu, Tu, Eles, pois geralmente não me sinto atraído pela estética (e ética, por que não) das comédias comerciais brasileiras que aportam periodicamente nos cinemas, especialmente aquelas carimbadas pelo selo Globo Filmes (talvez a exceção sejam os filmes assinados pelo Claudio Torres, talvez), tanto pela estética televisiva de sua maioria, quanto pela falta de novidade de seus enredos, que passam longe da subversão ou da reverência aos clássicos, sendo a grosso modo bastante estéreis. Todavia, apesar deste Os Penetras ser um filhote da Globo Filmes, o fato de ter como idealizador o "autoral" Waddington e contar com a presença do talentoso Marcelo Adnet como protagonista dão um certo diferencial ao filme, que mesmo utilizando uma estrutura similar a de outros filmes da produtora carioca, consegue soar mais orgânico e interessante.
A trama recheada de desencontros escrita por Marcelo Vindicatto (O Palhaço) - baseada em argumento do próprio Andrucha Waddington - não sai do lugar comum, repetindo a velha história de encontro entre um trambiqueiro carioca (Adnet) e um jovem inocente do interior (Eduardo Sterblitch, o ponto fraco da dupla) participando de "altas aventuras" na alta sociedade carioca. Seria pequeno de minha parte afirmar que o filme se reduz a isso, pois é notório o tanto de improviso empregado ao roteiro por parte da dupla Adnet/Sterblitch, sendo os momentos de descontração do primeiro os de maior respiro do filme. Não sei quais seriam as influências de Adnet como ator/comediante, mas em sua composição de Marco Polo Azevedo (nome fantasia de seu personagem) vejo muito de Jim Carrey e Steve Carrell, dois dos mais competentes e versáteis comediantes cinematográficos das duas últimas décadas.
Como todo produto da Globo Filmes, as "participações especiais" (tal classificação só parece existir no Brasil, assim como "grande elenco") de nomes como Luiz Carlos Miele (A Casa da Mãe Joana), Luiz Gustavo (O Casamento de Romeu e Julieta), Andrea Beltrão (Salve Geral), Susana Vieira (Xuxa e os Duendes 2 - No Caminho das Fadas) e Stepan Nercessian (Memórias Póstumas) recheiam o caldo do filme, sendo alguns destes bem vindos, outros de pouca importância, todavia o que importa destacar é que a fórmula continua a mesma. Outro nome de relativa importância à trama é o de Mariana Ximenes (A Máquina), que compõe aqui a femme fatale, a melhor sedutora e misteriosa responsável por juntar os personagens de Adnet e Sterblitch. Pena que seu papel tem uma importância reduzida, sendo pouquíssimo desenvolvida, já que se apoia basicamente em seus atributos físicos.
Outro diferencial da produção encontra-se na técnica aplicada, pois, apesar de certos vícios narrativos, a composição do filme é mais cinematográfica que televisiva, muito graças ao bom trabalho do diretor de fotografia Ricardo Della Rosa (O Passado) e da montagem de Sérgio Mekler (Eu e Meu Guarda Chuva), que juntos adequam a estética e o ritmo do longa ao ambiente para o qual foi originalmente concebido: a sala de cinema. Logo, apesar da essência mista do projeto, a "pegada" cinematográfica prevalece, ajudando o fortalecimento do produto final do filme.
Inicialmente pensava que Os Penetras se tratava de uma versão tupiniquim das comédias norte-americanas atuais, especialmente do hit Penetras Bons de Bico, todavia, apesar de alguns ecos entre ambas as obras, Os Penetras tem cara própria, mesmo que aproximada da tendência atual das comédias nacionais. Espécie de "bromance" tupiniquim, o filme de Andrucha Waddington tem seus prós e contras, pois se formos analisarmos como o novo trabalho do diretor, certamente este ficaria entre os mais fracos de sua filmografia, mas visualizando-o como um produto encomendado (tem toda a cara), este até que não faz feio, pois consegue ser engraçado em diversos momentos (apesar do apático e super-estimado Eduardo Sterblitch), sem que para isso apele para o vocabulário chulo, as referências ultra-machistas ou o pastelão desenfreado (Sterblitch até tenta puxar esse lado, mas felizmente Adnet não entra na onda). Os Penetras não é um grande filme, mas diverte pontualmente (apesar das obviedades do roteiro), é tecnicamente bem elaborado e, sem sombra de dúvidas, supera qualitativamente a safra de comédias acéfalas nacionais dos últimos anos.
Apesar do tom de 'Malhação', Somos Tão Jovens é uma boa cinebiografia de Renato Russo
Téo Santos
30/08/2013 12:30
Cinemografia
A expectativa era grande quanto a visualização deste filme, tanto que dificilmente tal desejo seria concretizado de forma absoluta, pois Somos Tão Jovens é, propositalmente ou não, uma cinebiografia do ícone Renato Russo e, por conseguinte, do nascimento da cena rock na capital do Brasil, a deslocada Brasília.. De certa forma, tal constatação tira parte do possível impacto negativo apresentado pela obra, mas isso não quer dizer que a avaliação tenha que ser menos criteriosa, até por que, apesar da importância do homenageado em tela, este é um filme como qualquer outro e, antes de mais nada, deve ser visto, sentido, compreendido e analisado como tal.
Sucesso inconteste de bilheteria, Somos Tão Jovens amargou críticas medianas, que, de certa forma, refletem o filme no contexto geral: um bom filme, porém sem grandes atrativos. Há um bom trabalho de elenco no filme, mérito este do diretor Antônio Carlos da Fontoura (Gatão de Meia Idade), contudo, nem todos possuem personagens bem desenvolvidos, inclusive alguns não passam de caricaturas, pois encontram-se totalmente apoiados nas imagens que nós, público, possuímos de alguns artistas da cena brasiliense à época (anos 1970-1980), como os irmãos Fê e Flávio Lemos e Dinho Ouro Preto (todos do Capital Inicial) e Herbert Vianna (líde d'Os Paralamas do Sucesso), talvez o mais prejudicado. É perceptível o esforço destes atores, no entanto, sem conteúdo seus personagens tornam-se apenas simulacros dos indivíduos verdadeiros, apresentados como uma embalagem cheia de maneirismos, mas sem motivação ou envolvimento algum.
Contudo, nem todo o elenco sofre com a falta de substância dada as personagens por Fontoura e Marcos Bernstein (roteirista), pois a dupla formada por Thiago Mendonça (2 Filhos de Francisco) e Laila Zaid (Heleno) compõem de forma sublime seus papeis, dando vida a Renato Russo e Ana Cláudia (uma das melhores amigas - e paixões - da vida de Russo), respectivamente. Enquanto esta se apoia no carisma, o segundo entrega um Renato Russo quase que perfeito, adotando tanto inflexões gestuais quanto verbais e até mesmo emulando com sucesso o tom grave e melancólico de Russo ao cantar, mergulhando bastante a fundo na maneira do eterno líder da Legião Urbana se portar, no limite entre a homenagem e a piada, compondo assim um dos melhores papeis da história das cinebiografias nacionais dos últimos anos - no meu ponto de vista, o trabalho de Mendonça está nivelado ao de Daniel de Oliveira, no filme (mediano também) Cazuza - O Tempo Não Pára. Certamente acompanhar a desenvoltura de Mendonça como Renato Russo é o maior atrativo do filme. Outro ponto que incomoda no roteiro de Bernstein é a excessiva inclusão de trechos ou referências as letras de Renato Russo nas falas das personagens, dando assim um caráter artificial e forçado aos diálogos, já que dificilmente Russo saia disparando chavões ou frases de efeito para em seguida aproveitá-las como canções.
É certo que, apesar da boa intenção, há problemas na narrativa do filme, especialmente na construção do roteiro - que aposta em demasia na coincidência dos eventos, no afastamento político-ideológico de Renato Russo perante os demais jovens de Brasília (à exceção de Ana Cláudia, que pode ser vista como uma espécie de bichinho de estimação de Russo, já que acata qualquer filosofia, ideia ou manifestação cultural capitaneada por ele) e no estilo de direção abraçado por Antônio Carlos da Fontoura, que vez ou outra investe em uma linguagem visual muito próxima a da televisão, tornando a narrativa cansada, pouco estimulante e, de certa forma, superficial. Há um excesso de didatismo na direção e no roteiro do longa que certamente descaracteriza a própria essência contestadora e liberalmente artística de Renato Russo, situação esta que torna o filme mais palatável e "redondinho", contudo também mais genérico e pouco inventivo.
Podendo ser classificado como um entretenimento interessante, que presta homenagem tanto ao grande Renato Russo quanto à importância do cenário punk/rock de Brasília em meados dos anos 1980, Somos Tão Jovens pode ser definido como um rascunho de uma boa obra, pois apesar de funcionar como obra-tributo reverente a uma época inesquecível à história brasileira, sua indecisão em abraçar a cena rock da época como protagonista ou simplesmente a persona de Renato Russo acabam tornando a ambição do filme bem maior que o resultado final. Some-se isso a linguagem um tanto "Malhação" do longa, e temos aí um filme com mais cara de especial de fim de ano da Rede Globo (que, por sinal, é uma das produtoras da obra) do que de cinema, mal este comum dentre 7 de 10 produções nacionais (especialmente àquelas com o selo Globo Filmes). Somos Tão Jovens é um filme simpático que poderia ser bem melhor, já que tinha material para isso e deixa um gostinho amargo em seu final, mas ainda assim vale a pena assisti-lo.
Proposta mais madura que a do filme anterior não impede os exageros em seu desfecho
Téo Santos
14/08/2013 13:07
Cinemografia
Uma coisa é certa, esta segunda incursão solo do mutante mais famoso do universo Marvel no cinema conseguiu tirar o gosto ruim deixado pelo seu filme anterior. Sequência quase direta do terceiro filme da então trilogia X-Men, O Confronto Final, Wolverine: Imortal (The Wolverine, no original) é uma obra interessante e ao mesmo tempo diferente de todas as outras que circundam o universo mutante (leia-se: X-Men) nos cinemas. Apostando mais na construção dos personagens e tendo a ação como elemento condutor da narrativa, não o contrário, o filme dirigido pelo eclético e competente James Mangold (Os Indomáveis) consegue ao mesmo tempo dar um novo (e bom) recomeço ao personagem, como também construir uma história independente das demais, mesmo mantendo óbvias ligações com a franquia X-Men. É engraçado que, mesmo com um orçamento mais enxuto que o de X-Men Origens: Wolverine, de2009, a impressão dada pelo filme é justamente o contrário, especialmente pelas lutas bem coreografadas, inclusive algumas destas à luz do dia.
Tendo como ponto de partida a busca de Logan por redenção (Hugh Jackman, de Os Miseráveis), os roteiristas Mark Bomback (O Vingador do Futuro, versão 2012) e Scott Frank (Minority Report: A Nova Lei) amarram com propriedade a minissérie em quadrinhos Eu, Wolverine, de Chris Claremont e Frank Miller a iconografia da franquia cinematográfica dos X-Men, resultando assim numa adaptação coerente da história original ao universo pré-moldado do cinema. Entretanto, talvez por força dos produtores, em certos momentos a coerência narrativa é deixada de lado, em detrimento da busca cega por cenas de ação, que incluem quase que a totalidade do último ato do filme, cujo estilo diverge do adotado pelo filme até então - sai o intimismo da melancolia e dor emanada por Logan e entra o carnaval pirotécnico, com direito a um robô gigante! -, culminando em uma reviravolta um tanto óbvia e um rearranjo quanto a conceituação do personagem-título.
Sendo assim, fica claro que o filme possui, em um mesmo escopo, duas vertentes distintas, mesmo que uma destas só seja abraçada na ponte de ligação para o desfecho do mesmo que, através de um olhar mais crítico, pode ser completamente descartada, já que a trama poderia ter sido resolvida a contento alguns minutos antes. Realmente o choque de estilos no filme é grande, tendo a carga "super-heroística" de seu desfecho descaracterizado um pouco toda a construção de personagem (sim, mais do que qualquer outro, esse filme é sobre o personagem Wolverine) até então. Ao meu ver, o final do filme foi readequado para que este pudesse retomar certos elementos que futuramente serão abordados na continuação seguinte da franquia X-Men, na qual Wolverine é cadeira cativa, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, a ser lançado em 2014 (aspecto ratificado pela cena extra contida após os créditos principais do filme).
Para mim, isto não funcionou bem, nem contribuiu de forma positiva ao desenvolvimento lógico do filme, que perdeu em tensão, suspense e certa filosofia (muito branda, comparada a disposta nas HQs do personagem), visto que optou pelo retorno das cores berrantes e do antagonismo mutante (a personagem Víbora, interpretada pela "atriz" Svetlana Khodchenkova) e pelo desafio físico final do personagem, que enfrenta uma espécie de cyborg moderninho cuja casca é uma armadura samurai (o filme sugere que este seria o Samurai de Prata). Tal distração é um baita deslize, pois rompe o ótimo equilíbrio apresentado pelo filme até então, que apostava em elementos de ação, drama, suspense e certo alivio cômico, mas no limite do exagero, dando a impressão de que a proposta da obra se encontrava mais próxima do thriller de ação do que do gênero assumidamente super-herói.
Mesmo que os efeitos digitais das garras continuem a não convencer em todas as cenas - um coisa curiosa, levando em conta a suposta facilidade na criação de tal efeito, em comparação a um universo de outros que são dispostos no filme de maneira mais realista -, no restante do filme estes são bem empregados, inclusive na animação do dito Samurai de Prata. Porém, o que mais salta aos olhas não são as pirações digitais, mas sim os truques de efeitos práticos e as coreografias de lutas, que formam um conjunto bacana e agregam bastante à narrativa do filme e as pretensões do enredo. Sequências de ação como a da luta entre Logan e alguns agentes da yakuza em cima de um trem bala em movimento - que me lembrou bastante a contida no filme Missão: Impossível, de 1996 - só funciona a contento pelo uso reduzido de computação gráfica, outra lição aprendida pelos produtores após o fiasco de X-Men Origens: Wolverine. A montagem do filme - a cargo de Michael McCusker, de O Espetacular Homem Aranha - é bem realizada e a fotografia de Ross Emery (Anjos da Noite 3: A Rebelião) mostra-se eficiente, especialmente na dupla missão de destacar o personagem principal e a arquitetura japonesa (tanto nos anos 1940, em plena II Guerra, quanto nos dias de hoje), que foi emulada pela Austrália e em estúdios. Por fim, destacaria a trilha sonora original composta por Marco Beltrami - repetindo a parceria com Mangold após o filme Os Indomáveis -, que mescla bem elementos da música nipônica a temas que evocam o então perturbado mutante, estabelecendo assim uma boa unidade sonora que, ao meu ver, resulta melhor que os dos filmes anteriores, apesar de não possuir um tema que marque de primeira.
Mais interessante quando menos exagera, Wolverine: Imortal conseguiu dar um novo gás ao personagem, mesmo que a selvageria e inconsistência de humor deste ainda esteja longe da apresentada pelo mesmo nas história em quadrinhos. Certamente o diretor James Mangold é um dos responsáveis, ao lado do sempre disposto e competente Hugh Jackman, pela amadurecência proposta pelo filme, que quase consegue ser bem sucedido como um corte em relação a mesmice que os filmes da linha X-Men - à exceção do ótimo X-Men: Primeira Classe - estavam tomando, sendo apenas sabotado pela sua resolução, que por um lado amarra algumas pontas soltas deixadas durante o desenvolvimento da trama, mas por outro abre demais a mão, proporcionando em tela um espetáculo inchado em demasia se comparado com o restante do filme. O saldo positivo de Wolverine: Imortal é bastante positivo, mas seu encerramento deixa um gosto levemente amargo na boca, o que aumenta ainda mais quando me recordo que este filme iria ser comandado pelo autoral Darren Aronofsky (Cisne Negro). Mangold é um cara competente, mas Aronofsky é competente e desbravador, o que resulta em um baita diferencial.
Equipe de Piratas do Caribe "insiste em insistir" mais do mesmo
Téo Santos
07/08/2013 08:56
Cinemografia
O poster do filme disposto acima é autoexplicativo: representa de forma objetiva e ao mesmo tempo metafórica o carnaval de gêneros e a falta de direcionamento desta nova incursão dos parceiros de negócios Gore Verbinski (diretor e produtor), Jerry Bruckheimer (produtor) e Johnny Depp (ator e produtor executivo). Defendido como um faroeste moderno pelos realizadores, mas confirmado pela crítica especializada como um Piratas do Caribe no velho oeste, dentre este dois conceitos acabo por me inclinar mais à corrente dos críticos, já que, mesmo que o filme apresente certo tom de modernidade, a balbúrdia espelhada pela falta de direcionamento quanto ao estilo/gênero do mesmo e a busca incessante pela autorreferência - neste caso, à franquia do bucaneiro Jack Sparrow, cuja associação é imediata e por osmose - acabam por sabotar toda a boa vontade investida no projeto, que somado a sua grandiloquência culminou numa péssima avaliação da crítica e numa arrecadação risível nas bilheterias mundo afora, sequer conseguindo (até então) empatar seu alto (põe alto nisso) custo de produção. O Cavaleiro Solitário, quer queria quer não, realmente morreu sozinho.
Os trailers já adiantavam que a grandiloquência seria o fio condutor do filme, mas até então não era sabido que sua duração e os estilos cinematográficos abraçados também seguiriam a mesma filosofia. Resultado? Uma obra cujo visual realmente impressiona, mas cujo roteiro, sequências de ação e falta de definição em sua proposta artística - trata-se de uma aventura, de um longa de ação, de um faroeste dramático ou de uma comédia de costumes? Tudo isso e nada disso - arruína o impacto das cenas cuja fotografia (Bojan Bazelli, de Rock of Ages) homenageia grandes nomes como Sergio Leone e John Ford. É verdade que nem toda sacada dos envolvidos é de todo mal, mas a mania de aumentar tudo ao máximo da capacidade cognitiva humana e duplicá-la em seguinte, já havia dado sinais de cansaço na franquia Piratas do Caribe e, nesta espécie de spin-off não oficial da mesma, a coisa desanda de vez.
Além dos nomes citados acima, pelo menos mais três personagens remontam a franquia pirata. O roteiro desta parafernália foi arquitetado - palavra forte - a seis mãos, sendo Terry Rossio e Ted Elliott os "criadores" da série Piratas do Caribe. O texto foi complementado por Justin Haythe (Foi Apenas um Sonho), talvez o responsável por tentar por um pouco de bom senso nos disparates elaborados por Elliott e Rossio. Contudo, a coisa não dá lá muito certo, pois a construção atabalhoada do longa o torna enfadonho - muito longo e redundante -, anestesiante - chega um momento que tamanho barulho, explosões e cenas de ação cujo nível de absurdo não podem ser medidos passam a ser absorvidos sem nenhuma reação por parte do espectador, tamanha a força opressora - e um tanto broxante, pois apesar do grande espetáculo oferecido, é mais do que óbvia a fragilidade conceitual e narrativa do filme. A fórmula aplicada pelos roteiristas já havia demonstrado certo cansaço ainda na série Piratas do Caribe, mas é aqui que esta atinge seu pior nível de criatividade.
Mesmo intitulada de O Cavaleiro Solitário, a obra parte por um (óbvio) caminho distinto, relegando o personagem título - interpretado com certo esforço por Armie Hammer, de J. Edgar - ao posto de coadjuvante, enquanto o suposto coadjuvante passa a ser protagonista, simplesmente pelo fato deste ser interpretado pelo queridinho (e talentoso, sem sombra de dúvidas) Johnny Depp (Sombras da Noite). Depp, apesar de mais uma vez convencer pelo carisma e pelo jeito divertido de conduzir sua mais nova criação, o índio Tonto, não consegue estabelecer um diferencial válido entre este e seus últimos papéis, emulando aqui mais uma vez a personagem deslocada, um tanto louca e de andar particular, a exemplo do seu chapeleiro maluco em Alice, Frank Tupelo, em O Turista e, obviamente, sua mais conhecida criação, Jack Sparrow. É impossível dissociar o perfil de seu personagem Tonto do modus operandi da maioria de seus personagens da última década, pois nem mesmo os quilos de maquiagem (incluindo uma prótese no nariz e um corvo como chapéu) o salvam da constante repetição. É óbvio que o ator é talentoso e, vez ou outra, apresenta um sopro de criatividade e consegue roubar um sorriso do espectador, mas o comodismo é perceptível e, assim como todo o restante do filme, os exageros e a ambição acabam por levar tudo a perder ou pelo menos a tirar parte considerável do brilho pretendido pelos seus realizadores.
O elenco de apoio, apesar de também cair no lugar comum, traz uma boa contribuição ao filme, especialmente William Fichtner (Batman, o Cavaleiro das Trevas), cujo personagem é o grande vilão do longa e o cada vez mais presente em produções hollywoodianas James Badge Dale (Homem de Ferro 3), que vive o irmão mais velho do pouco desenvolvido Cavaleiro Solitário. No entanto, acompanhar mais uma vez a outrora aplaudida Helene Bonham Carter (Os Miseráveis) compor o tipo histérico-extravagante não dá, tendo esta inclusive superado Depp no quesito "autorrepetição" (perdão pela redundância, mas esta foi proposital). Completam o elenco coadjuvante o veterano Tom Wilkinson (O Exótico Hotel Marigold), que não compromete e o geralmente expressivo Barry Pepper (Inimigo do Estado), aqui bastante deslocado. No fim das contas o elenco pouco pode fazer tendo em vista o pouco interesse despertado por seus personagens devido ao roteiro capenga.
Gore Verbinski (Piratas do Caribe: A Maldição do Perola Negra) teve como trabalho anterior a excelente animação Rango, cuja temática e abordagem encontra-se totalmente inserida no universo do faroeste. Sendo assim, é deveras estranho perceber que, à exceção da fotografia, do figurino e de algumas frases de efeito, pouco do dito bang-bang é abraçado pelo cineasta. A estrutura narrativa se comporta como uma espécie de casamento entre a ambientação estilizada de Piratas do Caribe e uma tentativa de empregar um caráter crítica à trama, que nunca se mostra suficiente, principalmente pela abordagem sem foco fixo do roteiro e da direção hiperbólica de Verbinski. Se em Rango tínhamos uma obra de arte sob o entorno de uma aventura, aqui temos uma aventura sem substância ou conteúdo relevantes.
Por fim, mesmo que a pirotecnia e a busca pela constante superação do clima de aventura através de sequências e mais sequências de ação ininterrupta se tornem o foco do filme, há alguns bons elementos que não estão atrelados à fotografia, como a inspirada abertura - o tom fabular impresso por Verbinski na cena inicial é interessante, pena que com o seu desenvolvimento esta vá perdendo o seu encanto - e algumas boas piadas. No mais, apesar de soar divertido em alguns momentos, O Cavaleiro Solitário é um filme deslocado, longo em demasia e pouco convincente, que não sabe a quem agradar nem como se conduzir. Se analisarmos os nomes envolvidos com a produção é fácil constatar que o resultado final do filme é muito pouco para tantos "talentos", o que, de uma forma ou de outra, acabou por ser refletido através das péssimas avaliações recebidas por ele, como também a arrecadação pífia ao redor do mundo, tendo o filme custado aproximadamente 215 milhões de dólares (fora os gastos promocionais) e arrecadado (até então) apenas 165 milhões. Muito pouco para tamanha pretensão, mas não posso dizer que não foi merecido.
Brasileira traduz poesia em forma de cinema
Téo Santos
18/07/2013 13:39
Cinemografia
Alguns filmes nos conquistam mesmo que não nos entreguem o motivo a que vieram, pois nos envolvem em uma jornada de significados e significantes únicos, onde cada olhar, cada memória é diluída e formatada de forma diferente, tendo assim cada espectador uma impressão distinta, mas possivelmente não menos satisfatória e enriquecedora. Vencedor de diversos prêmios mundo afora, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas, de Julia Murat, é um misto de documentário e ficção, de realidade e fantasia, de Brasil e mundo onírico.
O fato de não haver uma trama bem definida, sendo esta quase que nos apresentada de maneira improvisada, com poucos diálogos, mas muito expressividade, torna o filme uma experiência bastante distinta, pois faz com que razão e emoção tentem preencher as lacunas, nos localizar enquanto seres passivos perante as informações jogadas em tela.
Contando com muitos personagens carismáticos, alguns despertando atenção mesmo sem desfilar uma linha de texto sequer, essa experiência audiovisual escrita por Murat em parceria com Maria Clara Escobar e Felipe Sholl nasceu da descoberta, por parte de Murat, de uma cidade onde as pessoas não mais enterravam seus entes queridos no cemitério local, pois decretaram o fechamento do mesmo, passando assim a enterrá-los na cidade mais próxima. Partindo deste fato pitoresco, os roteiristas construíram um interessante texto metafórico, que não só se debruça por temas relacionados a vida, a morte, a juventude e a velhice, como também discute o homem e a humanidade, seja através de sua predileção por rotinas, seja pela naturalidade daquele em se socializar, ou até mesmo pelo alimentar contínuo das lembranças, sejam estas boas ou ruins, que passam a ser carregadas para sempre, aonde quer que se esteja.
Deixando um pouco de lado o conteúdo do texto do filme, é preciso destacar o primoroso trabalho de fotografia de Lucio Bonelli (Fase 7), tanto no que se refere a composição das cenas - seus enquadramentos casam à perfeição com a narrativa lenta de Murat, como pode ser visto na cena da senhora percorrendo o caminho dos trilhos de trem - quanto a iluminação, que tornam a imagem um misto de sonho e filme antigo, o que permite ao filme despertar sentimentos tão sinceros no espectador. A música original deLucas Marcier - além da escolha das canções - também mostra-se bastante acertada, já que encaixa muito bem a narrativa da obra.
Surpreendente por se tratar da primeira obra de ficção da documentarista Lucia Murat e pela coragem de contar uma história que necessariamente não possui início e fim, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas é subjetividade pura - mesmo que contextualidade a fatos concretos - que se interesse muito mais por provocar sensações do que por justificar razões ou apresentar respostas. Os vínculos criados aos "improváveis" personagens é um dos grande baratos do filme, somado a sensação de que estamos a observar de maneira literal a uma série de fotografias em movimento (ora bolas, sei que se trata de cinema), que nos transportam para uma realidade distante, mas ao mesmo tempo próxima de nossos sonhos e lembranças.
Incongruência de discurso sabota argumento corajoso do filme de Alan Parker
Téo Santos
04/06/2013 08:27
Cinemografia
As vezes o posicionamento político de um filme o salva do lugar comum, todavia, algumas vezes este acaba por sepultar uma boa ideia ou uma discussão pertinente. E, infelizmente, A Vida de David Gale, do veterano Alan Parker (Pink Floyd - The Wall), encaixa-se nesta última categoria. Contando com um bom elenco, onde destacam-se destacar Kevin Spacey (Se7en, os Sete Crimes Capitais), Kate Winslet (Deus da Carnificina), Laura Linney (O Show de Truman) e Gabriel Mann (A Identidade Bourne), possuidor de um clima e uma premissa inicial interessantes, que mistura com competência o senso de suspense a uma trama que alude à questão da pena de morte em alguns estados dos Estados Unidos da América (a bem verdade, o recorte feito é no estado do Texas, cenário do filme). Contudo, o que até metade do filme parecia uma crítica ferrenha contra esta prática acaba se revelando um baita de um embuste, pois acaba por distorcer não apenas o discurso empregado durante todo o filme até então, como também o faz de forma implausível, resultando não apenas num atrito ideológico, como também no possível afastamento do espectador à trama, pois o efeito negativo da virada do filme possivelmente o tirará do filme.
Sendo assim, A Vida de David Gale é, literalmente, formado por duas partes bastante distintas, não congruentes entre si. Quando destaco este corte não me refiro apenas à questão do conteúdo da obra, mas também a abordagem narrativa do mesmo, que também muda. Obviamente que desde o início o tom de suspense prevalecia, contudo, de forma pontual, tendo por finalidade apenas climatizar o espectador, deixá-lo inserido em um ambiente de insegurança e de dúvidas. Entretanto, nos quarenta minutos finais - leia-se: arco de resolução da trama - Alan Parker investe em uma pegada de thriller que não surte um bom efeito, pois se apresenta falso e principalmente sem sentido com o que vinha sendo desenvolvido até então. É muita correria, música alta, ânsia de chega mas não chega, caras e bocas, revelações "bombásticas", enfim, tudo menos a sobriedade e pensamento crítico de outrora.
Em resumo, de filme reflexivo e contundente, A Vida de David Gale passa a ser um suspense genérico, mais preocupado em apresentar surpresas e reviravoltas (com ou sem sentido, o filme parece não dar a mínima) do que em afunilar a teoria apresentada, deixando os questionamentos e resoluções nos campos ético e moral a cargo do espectador. Com a faca e o queijo no mão, Parker tinha tudo para entregar um filme excepcional, a exemplo de títulos anteriores do diretor britânico, que também carregavam no cerne questionamentos políticos e sociais, como O Expresso da Meia-Noite e Mississípi em Chamas, porém ele e o roteirista Charles Randolph (Amor e Outras Drogas) escorregam na resolução, apostando em uma conspiração implausível, que não apenas descaracteriza todo o movimento contra a pena de morte, como também destrói, moralmente e como efeito de mártir, a dupla de personagens de Spacey e Linney e o importantíssimo movimento social do qual estes faziam parte.
Obviamente o filme não é um completo desastre - apesar do seu desfecho "queimar" a obra drasticamente -, pois traz a tona um debate interessante (embora a filosofia apresentada pela obra seja, no mínimo, eticamente falha), tem bom ritmo, boas atuações e é filmado com competência, contudo, sua resolução é trôpega, não por ser nebulosa, mas por tomar um partido que não se adéqua ao proposto de início. Há uma inversão de conceitos. O que o filme defende é a pena de morte ou a extinção da mesma? A sociedade daquela região norte-americana é alienada ao ponto de ratificar a pena de morte como solução e necessidade ou há coerência neste pensamento? Os "heróis" do filme na verdade não passam de "bandidos" ou, na verdade, são "vilões mocinhos"? Esta ruptura à coerência narrativa do filme até então não convence, surgindo mais como um artifício para "chocar" o telespectador do que como desfecho orgânico aos acontecimentos apresentados de forma prévia. Em síntese, A Vida de David Gale não é um filme ruim, mas tinha um potencial gigantesco que é autossabotado pela falsa necessidade de uma virada "imprevisível" na trama (a bem verdade, são duas viradas) e pelas incongruências de suas ideias. Parafraseando Paulo Ricardo, "é muita informação e pouco conteúdo". Ao meu ver, Alan Parker perdeu a mão neste filme - não à toa o diretor não filme outro longa-metragem desde então - e, para aqueles que apreciam obras de conjuntura político-discursiva, sugiro que assistam aos filmes O Expresso da Meia-Noite e Mississípi em Chamas, obras estes com muita mais pungência e coerência que este A Vida de David Gale.
Clássico romântico permanece tocante e profundo
Téo Santos
23/05/2013 08:03
Cinemografia
Em Algum Lugar do Passado pode ser categorizado como um filme limítrofe, entre o adocicado e o romântico utópico, conseguindo emanar uma aura de inocência e desapego à concretude de forma centrada, até por que não há como aproveitar a jornada proporcionada pela obra sem deixar o lado racional um tanto adormecido. Pouco preocupado em desenvolver as personagens e seus dilemas de forma profunda, o mote do filme de Jeannot Szwarc (Tubarão 2) é o amor como abstração, é a tradução do conceito de alma gêmea em forma de imagem, é a exposição de um sentimento invalorável e a dependência que todo ser humano possui do mesmo, seja lá como este o conceba.
Estrelado por duas das figuras mais belas da época, o então Superman Christopher Reeve (Superman, o Filme) e Jane Seymour (007 - Viva e Deixe Morrer), que fisicamente lembrava bastante a diva Vivian Leigh (...E o Vento Levou), Em Algum Lugar do Passado conta com roteiro do escritor Richard Matheson, que aqui adapta uma obra de sua própria autoria - Bid Time Return - e, se não é um primor em termos técnicos, consegue envolver o espectador a ponto das várias interrogações quanto a viabilidade da viagem ao tempo e, principalmente, de como o romance entre Richard Collier (Reeve) e Elise McKenna (Seymour) teve início. Do passado ao presente? Do passado ao futuro? Do presente ao passado? Tais perguntas não são respondidas, muito menos exploradas, mas a magia proposta pelo filme cumpre bem seu papel e não deixa essas lacunas estragarem a boa sensação obtida ao se assistir ao filme.
Talvez o filme não pegasse tanto caso a química entre Christopher Reeve e Jane Seymour não existisse, especialmente o primeiro, que está presente em cena em praticamente todo o filme. Reeve consegue utilizar muito bem seu físico imponente à sua forma de interpretar, além de mostrar-se um ator versátil, competente tanto nos momentos de cunho mais cômico, quanto nos mais dramáticos. Seymour não tem tanto tempo para compor sua personagem, por isso deixa sua beleza liderar em cena, contribuindo assim para que o sentimento apresentado pelo casal torne-se crível, mesmo que desenvolvido de forma bastante apressada - especialmente no caso dela.
Como dito no início do texto, o filme vez ou outra beira o melodrama apelativo, muito devido a trilha sonora alta e melosa composta pelo veterano John Barry (Moscou Contra 007) e pelo estilo de filmar da diretora Jeannot Szwarc, que parece casar perfeitamente com os temas "exagerados" de Barry, visto que ela gosta de tomadas lentas e enquadramentos em perfeita simetria, utilizando bastante reflexos e espelhos como elementos narrativos, além de casamento entre quadros distintos. Particularmente achei elegante sua maneira de filmar, pois me faz lembrar o cinema clássico hollywoodiano. No entanto, ao julgar a cotação atual do agregador de críticas Rotten Tomatoes, a crítica especializada parece torcer o nariz para o filme, o que ao meu ver é uma baita bobagem, pois ele, apesar de alguns deslizes comuns a praticamente todos os filmes do período que divide as décadas de 1970 e de 1980, é bem realizado e a rigor cumpre seu papel como filme romântico, alcunha que toma durante todo o tempo, nunca fugindo do que é em essência.
Inspirador de títulos como A Casa do Lago (2006) e Te Amarei para Sempre (2007), Em Algum Lugar do Passado deve ser visto como um filme de sua época que procura evocar valores anteriores a mesma, equacionando o amor como sentido da vida, independentemente de racionalizações ou ideologias. Apesar da premissa aparentemente complexa - o filme trata de uma viagem temporal apoiada em uma técnica de hipnose atestada por um professor de filosofia -, a obra é de uma simplicidade e inocência ímpar e não se preocupa em apresentar respostas para as perguntas formuladas, mas sim em traduzir através de metáforas visuais, utilizando dois agentes, o poder do amor e da busca pelo mesmo, que tanto pode construir como construir e ambos os cenários são apresentados pelo longa, que revela um desfecho ao mesmo tempo angustiante e metafísico, onde a recompensa é alcançada, a depender da crença de cada espectador. Em Algum Lugar do Passado é um filme simples e bonito, mas nunca desinteressante.
Terceiro Homem de Ferro fecha bem a trilogia evoluindo o personagem
Téo Santos
07/05/2013 20:31
Cinemografia
Primeiro filme da Marvel Studios após o furacão Os Vingadores, Homem de Ferro 3 possuía a dura missão de, não apenas manter o nível de interesse (e frenesi) daqueles que foram conquistados pela reunião dos heróis da Marvel, mas também de superar (este é o verbo motriz de Hollywood) o sucesso de crítica e público (este, principalmente) dos dois capítulos anteriores, sendo que desta vez a produção não conta com a direção de Jon Favreau (que continua envolvido na franquia como ator e produtor). Incredulidade e esperanças à parte, o certo é que Homem de Ferro 3 coroa muito bem a já excelente trilogia, apresentando uma fórmula parecida com as dos filmes anteriores, mas sem medo de evoluir tanto a trama, quanto (e principalmente) a personagem Tony Stark, realizando assim um recorte inteligente e interessante entre a óbvia redundância das histórias em quadrinhos e os objetivos da Marvel Studios para o seu leque de personagens no universo cinematográfico.
Assumindo a função de diretor e responsável pelos retoques no roteiro (o roteirista principal foi Drew Pearce, criador da série britânica No Heroics), Shane Black (Beijos e Tiros) consegue superar todas as expectativas e realizar um trabalho conciso, bem amarrado e dinâmico, ou seja, sem deixar nada a dever aos filmes (e estilo) de Jon Favreau, sem que tivesse que deixar de lado suas características como realizador (o humor e tensão do filme carregam sim um quê de obras anteriores escritas pelo aqui diretor, como o primeiro Máquina Mortífera). É óbvio que em produções deste quilate geralmente é de competência do diretor de segunda unidade (ou até mesmo terceira) o comando da maioria das sequências de ação, contudo, isto não tira o mérito e o olhar aguçado do diretor, que teoricamente possui voz para escolher as melhores cenas, além de direcionar a forma com que deseja que tais cenas sejam filmadas. Com isso quero deixar registrado que o filme possui ótimas sequências de ação, em sua maioria perfeitamente inteligíveis e, à exceção da sequência climática final, que carrega um pouco demais nos exageros (não atrapalha, mas também não se apresenta essencial), cumpre seu papel de termômetro entre os dois filmes anteriores do personagem e o primeiro d'Os Vingadores.
O elenco do filme mantém o alto nível dos dois anteriores, escalando bons atores em papeis secundários e apostando em um clima que nivela o humor e as fanfarronices heroicas/vilanescas dos mesmos. Retornam, além de Robert Downey Jr. (Zodíaco) e Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado), Don Cheadle(Crash - No Limite) e o já citado Favreau. Somam-se a estes Ben Kingsley (A Invenção de Hugo Cabret),Rebecca Hall (O Despertar), James Badge Dale (O Voo) e Guy Pearce (Os Infratores), movimentando assim o já excepcional elenco. Não cabe a mim apresentar detalhadamente as personagens destes últimos, até por que muitos são revelados durante o andamento da trama, o que poderia causar certo mal estar em você, leitor, mas asseguro que, todos estão muito bem em seus respectivos papeis, contudo, não há como não destacar a personalidade e, por que não, diversão proporcionada pelas interpretações de Kingsley e Pearce, atores estes de grande capacidade e talento e que, nos últimos anos, voltaram a aparecer com mais destaque em grandes produções.
Muito se discutia acerca da provável "seriedade" deste Homem de Ferro 3, especialmente pela exploração dramático dos trailers do filme, todavia, apesar de haver um certo rompimento para com o clima "rock and roll" dos dois primeiros filmes - inclusive, não há uma música sequer do AC/DC aqui -, a pegada de diversão é mantida, mas a trama retoma um pouco a temática bélico-terrorista do primeiro episódio e isso, aliado ao prosseguimento do desenvolvimento de Tony Stark (Downey Jr.) como ser-humano, acarreta em um filme igual e diferente, ao mesmo tempo, dos demais. Ao meu ver, o que Shane Black e cia. fizeram foi dar um passo à frente na condição do personagem, referenciando o passado deste (tanto os filmes anteriores, quanto Os Vingadores tem relação umbilical com este filme, apesar de não ser necessário, de forma alguma, conferi-los antes dele), ao mesmo tempo em que não há medo algum em dar um passo a frente, evoluí-lo, torná-lo um tanto menos inconsequente (daí a limagem na caracterização rock and roll?), mais maduro, mas nem por isso menos divertido. Há um equilíbrio entre humor, ação, discussão e referencias ao universo das histórias em quadrinhos que faz com que Homem de Ferro se torne um filme tão bom, completo e agradável quanto os anteriores. A saga do "ferroso" pode se enaltecer de ser um caso raro, em que todos os seus filmes são, quase que indiscutivelmente, muito bons.
É inegável o valor de produção de Homem de Ferro, pois é possível enxergar para onde foram tantos milhares de dólares (ao contrário de Thor e Capitão América, por exemplo, que ainda apresentavam certas fragilidades visuais). As armaduras de Tony Stark estão cada vez mais perfeitas e as sequências de ação, apesar do ritmo frenético - não tanto quanto em Os Vingadores, mas frenéticas -, são bem pensadas e, principalmente, "acreditáveis", visualmente falando. A equipe de cenografia também merece parabéns, especialmente pela caracterização do vilão Mandarim (Kingsley), que surge ao mesmo tempo ameaçador e referencial, tendo suas vestes papel preponderante à ótima caracterização do veterano ator inglês. No campo sonoro, o filme também se destaca, pois certamente, no que o visual (3D ou não) deixar escapar, os efeitos sonoros cumprem a tarefa de imergir o espectador na confusão (no bom sentido) despertada pelo filme. Como ponto abaixo da média destacaria a trilha sonora composta por Brian Tyler (Os Mercenários, Os Mercenários 2), que à exceção da utilização do tema da série, surge na maior parte do tempo exagerada e "alta" demais, apostando em um clima épico e grandioso que, sinceramente, não é abraçado pelo filme. Creio que Tyler se animou um pouco demais com a responsabilidade e acabou por construir uma trilha ainda mais exagerada do que a proposta do filme.
Equilibrado em quase todos os sentidos, Homem de Ferro 3 sobrevive sem a presença de Jon Favreau e seus roteiristas, dá prosseguimento à saga do herói de armadura e nasce como um filme tão (ou até mais, por que não) bom e eficiente quanto os demais. Temos aqui um Robert Downey Jr. bastante a vontade (como não?), um enredo interessante e divertido, personagens coadjuvantes que esbanjam carisma, efeitos visuais de última geração, além de muito humor e aventura. O que pedir mais? Uma evolução gradativa das personagens. Ora bolas, esta ocorre. Sendo assim, apesar do verão blockbuster norte-americano estar apenas em seu início, já temos em Homem de Ferro 3 um grande candidato a melhor filme na categoria, mas de forma natural e harmônica, sem nenhuma (ou quase nenhuma) forçação de barra ou pirotecnia exacerbada. Certamente este não é um filme perfeito, mas suas falhas são plenamente compensadas pelo conjunto da obra, que pode ser considerada como bem mais do que eficiente, pois beira a magia da despretensão e do divertimento casual, o que é ou não é o objetivo primeiro de uma obra leve de entretenimento? Pense nisso!
Polêmicas à parte, A Hora Mais Escura é um bom filme inteligente
Téo Santos
29/04/2013 18:29
Cinemografia
Uma hora ou outra um filme acerca da caçada ao "maior" terrorista surgido nos últimos cinquenta anos teria que ser realizado e é justamente isto que é materializado no filme A Hora Mais Escura, da dupla vencedora do Oscar pelo filme Guerra ao Terror, Katheryn Bigelow e Mark Boal. Porém, apesar da premissa um tanto óbvia - quem, em santo juízo, não conhece mesmo que superficialmente a trajetória da caçada ao afegão Osama Bin Laden pelas autoridades internacionais, capitaneada pelos norte-americanos -, o estilo capitular e jornalístico empregado ao filme pela dupla destacada confere ao mesmo um clima de urgência e interesse bastante particular, ainda mais para uma obra formatada basicamente de diálogos e conflitos entre personagens do mesmo cerco, pois suas sequências de ação são deixadas apenas para os quarenta minutos finais.
Indo de encontro ao que a opinião pública - pelo menos aquela fora do seio norte-americano - achava da obra, todo o patriotismo e inferência ao poder de estandarte da democracia vendido pelos Estados Unidos da América é praticamente ignorado pelo filme, já que este se dedica - com muita competência - totalmente á construção e reconstrução das investigações acerca do paradeiro do então líder da organização criminosa Al Qaeda, sob os auspícios da jovem e determinada agente Maya, interpretada com precisão, delicadeza e sutileza pela atualmente queridinha da crítica Jessica Chastain (O Abrigo). É através dela que é canalizada a angústia, os medos e o sentimento de impotência do povo norte-americano, mas sempre de forma natural, muitas vezes palpável, tanto que é praticamente impossível não simpatizar com a personagem e sua dedicação incondicional à localização do covil do terrorista saudita, numa prova inconteste do grande trabalho que Chastain desenvolve à personagem.
É óbvio que a temática do filme é polêmica e gera discussões em todos os sentidos, até por que, mesmo que o viés crítico perdure durante toda a projeção, estamos falando de um filme americano que abraça um trauma/caçada de cunho basicamente emocional para àquele povo, então o mínimo seria esperar certo "romantismo" na abordagem, além das velhas conveniências narrativas que ligam o ponto A ou ponto B, de modo a despertar o máximo de emoção ao espectador, não importando se estas possuem caráter de realidade ou não. No mais, tratamos aqui de uma obra cinematográfica, que por si só possui suas regras e objetivos, dentre eles entreter, o que é cumprido com esmero pelos envolvidos. A bem verdade, mesmo que construído como uma obra de ficção - baseada em fatos reais, mas ainda assim uma ficção -, A Hora Mais Escura carrega um caráter de "realidade" e compromisso que agregam bastante, seja pelo fato de traduzi-lo como um bom filme, seja como um bom registro de um evento sem precedentes à história moderna mundial.
Tecnicamente o filme é primoroso, desde a paleta de cores - que muda gradativamente conforme o beco que é a busca começa a apontar para uma saída inexistente - abraçada por Greig Fraser (O Homem da Máfia) até os efeitos sonoros (não à toa o filme recebeu o Oscar pela categoria edição de som, carregando a estatueta em conjunto com 007 - Operação Skyfall). A direção de Bigelow também é essencial ao filme como um todos, especialmente no que se refere a construção da tensão e urgência do filme, sem necessariamente utilizar da ação e da pirotecnia (que é relegada ao terceiro ato do longa, lá pelos quarenta minutos finais), assim como sua sinergia ao roteiro decupado pelo jornalista Mark Boal, que dá uma cara de documentário ao filme, mas sem exageros ou armadilhas pseudo-realísticas. A Hora Mais Escura é, acima de tudo, uma obra de ficção de entretenimento e é desta forma que acaba sendo formatada e conduzida, o que é um grande acerto.
Sofrendo o mal da pouca novidade (como disse no topo do texto, quem não conhecia fragmentos da trama do filme?) e possuindo uma duração um tanto longa (creio que a retirada de trinta minutos do filme não o fariam mal, mesmo sabendo que não há dispostas cenas que soem "descartáveis" à trama), A Hora Mais Escura pode acabar não agradando a alguns justamente pela sua "paciência" em construir à narrativa, dando grande importância a evolução da personagem Maya e aos meandros da agência de investigação norte-americana (CIA). Abraçando a tensão em detrimento da ação e contextualizando o espectador com informações precisas (pelo menos, no âmbito da ficção) acerca da caçada ao terrorista islâmico, A Hora Mais Escura consegue fugir do viés de exaltação patriótica e se concentra na exposição da história, construindo um vínculo de cumplicidade e respeito para com o espectador, o que faz com que o clímax da obra seja uma mais do que bem-vinda recompensa aqueles que a acompanharam, com interesse e paciência, todo o desenrolar operacional (e tantas vezes burocráticos) que culminaram com a invasão ao suposto esconderijo de Bin Laden, resultando em sua morte. O desfecho do filme, que apresenta a personagem Maya finalmente liberando as lágrimas que guardara por quase uma década, é uma metáfora acertada acerca do sentimento do povo norte-americano após a notícia da morte do líder da Al-Qaeda e, patriotismo à parte, finaliza o filme com competência e critério.
Diretor austríaco apresenta lado racional e necessário do amor
Téo Santos
23/04/2013 09:46
Cinemografia
Amor, de Michael Haneke (A Fita Branca) foi um dos filmes mais elogiados de 2012, saindo vencedor de prêmios importantíssimos como a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter concorrido neste a melhor filme do ano, melhor atriz (Emmanuelle Riva, de Hiroshima, meu Amor), melhor roteiro original e melhor direção (ambas a cargo de Haneke). Profundo e objetivo, esta pequena obra-prima "engana" a partir de seu título, que é desconstruído de maneira hercúlea pela indesejada doença (física e mental) que toma o casal interpretado por Riva e Jean-Louis Trintignant (deZ) - cuja interpretação foi curiosamente ignorada pela Academia Norte-Americana de Artes Cinematográficas (vulgo Oscar) -, colocando assim a prova qualquer conceito, preconceito ou paradigma acerca da completude de um relacionamento.
É certo que este não é, nem de longe, o mais angustiante ou incômodo dos trabalhos de Haneke, cineasta este interessadíssimo no estudo do ser humano e em seus comportamentos, utilizando para isso um olhar clínico e de cunho recorrentemente negativista. E este olhar não falta a Amor, apenas surge de maneira mais intimista, subjetiva, mas não menos incômoda. É notório que a sociedade ocidental possui a cultura de idealizar eventos desejados, ignorar mazelas e incutir a positividade ou o pensamento positivo como fórmula para o sucesso ou para a realização de sonhos. E em pouco mais de duas horas Haneke atropela toda essa crendice intangível ao destacar, sem papas na língua, que a morte vem a todos e raramente chega silenciosa. Confesso que nunca perdi um ente querido realmente próximo a mim, mas o impacto causado ao conferir este filme me tragou de forma tão forte que me vi incorporar a personagem de Trintignant, sentindo não apenas como seria acompanhar o definhar de minha companheira, como também de qualquer ente querido próximo, seja este filho, pai, mãe, irmão...
Apesar de simples, o roteiro concebido por Michael Haneke é incômodo, pois trata de certezas e estas nem sempre são boas. Aliado ao bom texto, estão dois estupendos atores, representantes da nata da Nouvelle Vague francesa, insertos em papeis ao mesmo tempo simplórios (afinal de contas representam um "simples" casal francês de classe média), complexos (a mudança de sentido na vida de ambos trata de incendiar novos paradigmas) e, sem sombra de dúvida, humanos. As composições de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva são simplesmente magnéticas, transparecendo amor e comprometimento mútuo da mesma forma que afastamento, repúdio e derrota, do olhar ao gestual, do tom de voz a movimentação. É certo que, por se tratar de um filme focado quase que totalmente apenas nestas duas personagens e tendo como cenário principal um apartamento, a abordagem cinematográfica e o ritmo da obra não poderia ser menos do que lenta, contemplativa. E até assim Haneke brilha, pois transforma cenas aparentemente simplórias em resultados tensos. Nunca uma conversa banal e previsível durante um café-da-manhã foi apresentada de forma tão angustiante quanto a apresentada em Amor. Sendo assim, juntando um roteiro composto por momentos de brilhantismo, uma dupla central de atores afinados e apresentando um desempenho irretocável e um diretor talentoso, porém absurdamente discreto e contemplativo na forma de filmar (pelo menos neste filme) não poderíamos ter menos do que uma grande obra, que certamente continuará a ser lembrada, discutida, vista e apreciado por muitos anos em diante.
Mais que um estudo de personagens, Amor é um alerta à imprevisibilidade da vida e, principalmente, a perecibilidade da mesma. Filme contundente, que expõe suas personagens a constatações que qualquer um de nós conhecem, mas que mesmo assim insistimos em ignorar, a negatividade de Amor nunca ressoa gratuita ou desprestigia o poder deste sentimento, que por sinal é importantíssimo durante a jornada passada pelo casal e ainda mais durante seu desfecho, até por que este sentimento nunca encontrou definição própria, muito menos foi formalizado (ou formatado), sendo assim sentido e abstraído por cada um de nós de maneira ao mesmo tempo similar e distinta. Sabemos o que amamos e o que não amamos, mas nunca como amamos e por que não mais amamos. Muitos comentam que o verbo amar requer ação, não palavras. Caso estes estejam corretos, possivelmente encontrarão ecos deste achismo nesta obra triste, porém verdadeira e crível, do austríaco Michael Haneke.
Esteticamente primoroso, nova versão de Anna Karenina tropeça no roteiro não inspirador
Téo Santos
25/03/2013 20:55
Cinemografia
Visualmente arrebatador, esbanjando criatividade e dono de uma trilha sonora praticamente colada a narrativa, Anna Karenina, a mais recente adaptação cinematográfica da celebrada obra de Leon Tolstói pode ser considerada como um grande acerto estético, mas que infelizmente deixa a dever um pouco na fluência de sua narrativa. Dirigido com esmero e óbvia dedicação pelo britânico Joe Wright (Desejo e Reparação), o filme esbanja criatividade, pois emula com capricho a dinâmica teatral, sem que com isso perca a unidade cinematográfica. Chega a ser "mágico" acompanhar as bem boladas mudanças de cenários enquanto as personagens desfilam em tela, além do encaixe das coreografias, dos efeitos sonoras e, principalmente, da trilha de Dario Marianelli (V de Vingança) à narrativa do filme.
Contudo, apesar do visual primoroso, o roteiro de Tom Stoppard (Shakespeare Apaixonado) não impressiona, pois reduz bastante a complexidade das personagens - especialmente do trio de protagonistas, Anna Karenina, Alexei Karenin e Alexei Vronsky, interpretados por Keira Knightley(Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra), Jude Law (A Invenção de Hugo Cabret) e Aaron Johnson (Selvagens) - e não convence totalmente o espectador quanto ao surgimento do amor incondicionado sentido por Karenina e Vronsky. A questão social (divórcio) à época ambientada é bem pontuada, mas certamente poderia ter um desenrolar ainda mais profundo, visto que seu insumo vem de uma obra literária considerada por muitos como uma das mais notáveis da história. Com isso não digo que o trabalho de Stoppard foi mal sucedido, apenas que sagrou-se mediano, visto a potencialidade que tinha em mãos. E, comparado ao trabalho visual do filme, realmente o roteiro deixa bastante a desejar.
O elenco, apesar do roteiro apagado, se sai muito bem, até mesmo a comumente criticada Keira Knightley, que continua a utilizar as caras e bocas como muleta de interpretação, mas estas parecem se encaixar a psiché definida à sua personagem. Law e Johnson surgem bem caracterizados, porém sem tempo (ou espaço) suficiente em tela para apresentarem algo mais do que correto. Todavia, apesar de também aparecer pouco, Matthew Macfadyen (Os Três Mosqueteiros) se destaca em relação aos dois citados, não pela importância de sua personagem à trama (que, a julgar pelo filme, é quase nula, pois serve apenas como elo entre algumas personagens), mas sim pela função de alívio cômico da mesma, amplificada pela composição canastra do ator inglês. O longa conta ainda com as pontas de Emily Watson (Cavalo de Guerra), Kelly Macdonald (Má Companhia) e Olivia Williams (O Escritor Fantasma).
Já que a parte estética do filme é sobressalente as demais, é impossível não destacar a concepção visual e sonora do mesmo. Sendo assim, realizam um trabalho soberbo Sarah Greenwood (desenho de produção), Niall Moroney (direção de arte), Katie Spencer (decoração) e Jacqueline Durran(figurinos), além do diretor de fotografia Seamus McGarvey (Precisamos Falar Sobre o Kevin), que explora ao máximo a luz como ferramenta narrativa do filme. Não à toa alguns destes acabaram por receber indicações a premiações como Oscar e Globo de Ouro, tendo Durran faturado a estatueta do primeiro. Fechando o arcabouço estético do filme encontra-se a excelente trilha sonora composta porDario Marianelli, que realiza um efeito de amálgama entre música, efeitos sonoros e sonoplastia teatral, sendo assim uma ferramenta essencial a ambição narrativa proposta por Joe Wright e se sai muito bem nesta função.
Adaptar grandes cânones artísticos a outra mídia é sempre complexo, ainda mais quando a obra original possui particularidades que não necessariamente mostram-se presentes em nossa realidade atual (costumes, ideologias etc.), o que certamente gerará ruídos a esta plateia. Portanto, adaptações são necessárias, mas estas devem ser feitas com cuidado, para que a essência contida na obra original não seja perdida, o que parece ter acontecido nesta versão 2012 de Anna Karenina. Não li a obra, mas li um pouco sobre ela e confesso a vocês que, a julgar por este filme, não senti grandes questionamentos acerca do contexto social da Rússia czarista, visto que a dor e o romance são mais explorados pelo filme do que os por quês que as envolvem. Em suma, Anna Karenina é um bom filme, dono de um visual arrebatador, trilha sonora marcante e uma direção inspirada, mas que não desperta sensações afora a empatia estética, quando a outra metade - a ética - deveria ser tão explicitada quanto aquela.
É Impossível mostra que é possível transpor uma tragédia em forma de entretenimento?
Redação
05/03/2013 18:20
Cinemografia
Apelativo? Excessivamente melodramático? Forçosamente angustiante? Literalmente "dedo na ferida"? Certamente O Impossível, filme que retrata a tragédia ocasionado pelo tsunami de 2004 no continente asiático (oceano índico), encaixa-se positivamente em todas essas assertivas. Contudo, o filme - ao meu ver - nunca é gratuito, seja no retrato da ação da natureza e suas consequências óbvias, seja no drama particular dos cinco membros que formam a família Bennett. A grosso modo, arriscaria dizer que em termos de fórmula não há muita diferença entre a abordagem de O Impossível em comparação as obras-catástrofe de Roland Emmerich - à exceção do slogan "inspirado em eventos reais", que não existe nos filmes deste -, pois o cerne de acompanhar a luta pela sobrevivência a uma macrotragédia é basicamente o mesmo, entretanto, a sensibilidade e direção do espanhol J. A. Bayona (O Orfanato) dão um ganho notavelmente superior ao filme, que choca, sensibiliza e arranca lágrimas de maneira mais orgânica, urgente e sincera. Com isso não quero dizer que o filme não apela em momento algum, pois o mesmo o faz, contudo há equilíbrio na obra, que no final das contas pode ser metaforizada como uma faca de dois gumes, pois possivelmente provocará rios de lágrimas em alguns, como também ojeriza e afastamento em outros. O filme é polêmico, gerador de discussões e possivelmente não necessário (será?), mas inquestionavelmente brilhante tecnicamente.
A escolha de Bayona em optar pela escalação de atores britânicos para interpretarem as personagens originalmente espanhóis não me incomodou, até por que no filme pouco é mostrado do passado destas e seus nomes são substituídos por outros em inglês (pelo menos o "sobrenome"). Sendo assim, tanto Naomi Watts (21 Gramas) quanto Ewan McGregor (Sentidos do Amor) não apenas se encaixam com perfeição em seus respectivos papeis (interpretam marido e mulher), como também dão um ganho a mais aos mesmos, devido a suas qualidades como atores. Dito isto me causa estranhamento a indicação única de Watts ao Oscar de atriz (entre outras premiações) enquanto McGregor foi deixado de lado, pois para mim há uma perfeita simetria nas atuações de ambos e não me incomoda este posicionamento de "eclipsar" um em detrimento do outro. Porém, apesar de ambos estarem muito bem em seus respectivos papeis e funções, não senti justiça na nomeação do Oscar a primeira, talvez por não achar que a interpretação tivesse a "força" do prêmio. Enfim, o que importa destacar é que o filme ganha bastante não só devido a presença de Watts e McGregor, mas também dos garotos que interpretam seus filhos, especialmente o mais velho, construído de forma equilibrada entre controle e emoção pelo talentoso Tom Holland.
Longe dos alicerces hollywoodianos, O Impossível é um produto inteiramente "made in españa" e, por isso mesmo, já merece os mais calorosos aplausos, pois nos quesitos produção e técnica o filme é espetacular. Efeitos visuais, especiais e de som primorosos, belíssima fotografia (Óscar Faura, deAlexandria), além de uma direção muito bem cuidada a cargo do talentoso J. A. Bayona. Some-se isso ao ótimo elenco e ao roteiro, se não surpreendente, bem formatado por Sergio G. Sanchéz (inspirado na história real de María Belón) e temos aí um grande espetáculo cinematográfico, que reconta uma tragédia com um misto de sujeira e "realidade" somado a uma sensibilidade (e sensibilização) particular, o que como já dito, agradará alguns e torcerá o nariz dos demais. Todavia, apesar da estética apurada e do valor de produção agregado, alguns elementos do filme não me agradaram, como algumas tomadas excessivamente expositivas elaborados por Bayona e Faura, no que se refere à tentativa de emular arte através de composições perfeitas de corpos e paisagens devastadas (a impressão que dá é de que ambos tentaram emular o escopo de uma moldura, o que resulta mais apelativo do que o necessário). Também me incomodou bastante a obviedade da trilha sonora de Fernando Velázquez (Os Olhos de Júlia), que surge de forma excessivamente invasiva, querendo reforçar a todo custo o impacto emocional já sentido pelo espectador, gerando assim sacarose em demasia, tornando uma cena de cunho sensível num espetáculo de pesar. A grosso modo lembra a estratégia dos filmes recentes da dupla Steven Spielberg / John Williams, como o choroso Cavalo de Guerra.
Tecnicamente primoroso e essencialmente polêmico, O Impossível é um filme-catástrofe em essência, mas que enfoca muito mais no coração do que no espetáculo, o que acaba colocando-o num patamar distinto em relação aos demais títulos do gênero. Certamente não é um filme perfeito - muito devido a óbvia dificuldade de se abraçar um tema tão particular e que desperta sentimentos diversos -, especialmente por ultrapassar a linha tênue entre equilíbrio e exagero em alguns (poucos) momentos, porém resulta valoroso e presta tributo, se não as vítimas da tragédia como um todo, a família que serve de inspiração ao filme. Cinema é inspiração e transpiração e, no caso de O Impossível, o que mais permanece é o sabor de inspiração e pesar.
Alagoano resgata em documentário a polêmica desapropriação do Pinheirinho, em SP
Redação
14/02/2013 08:37
Cinemografia
Eis que um ano é completado e nenhuma solução plausível é encontrada para o dilema dos moradores do Pinheirinho, terreno localizado na cidade de São José dos Campos, na grande São Paulo. O descaso para com a população que habitava o local e a falta de ação do poder público em atender aos verdadeiros prejudicados pela ação da polícia militar e da Justiça paulista (a "mando" do proprietário da terra, o megaempresário Naji Nahas) continua até hoje.
Inspirado pela omissão do Estado e pelas injustiças deflagradas aos cerca de 8 mil cidadãos que habitavam o Pinheirinho, o alagoano de Palmeira dos Índios, Fabiano Amorim, decidiu formatar um documentário acerca do evento, mas que tivesse como finalidade maior dar luz a um evento que ganhou proporção nacional em seu início, mas que aos poucos foi sendo preterido pela egoística agenda sete dos meios midiáticos do país.
Utilizando de registros feitos por redes de televisão, entrevistas pessoais, dentre outros, com o intuito de dar visibilidade a quem mais necessita, apresentando de forma clara e objetiva os nós que foram, de certa forma, decupados propositalmente pela imprensa (e pelo poder público) no decorrer de um ano, Fabiano apresenta aqui mais do que um produto cinematográfico guerrilheiro, realizado na marra e com parcos recursos (todos saídos do bolso do alagoano), mas sim um verdadeiro ato de cidadania, civilidade e humanidade, ao resgatar de forma tão incisiva e preciosa este evento que, à sombra da imprensa mainstream, continua correndo, sem nenhum sinal de resolução à curto prazo.
Convido não só os leitores do blogue CineMografia, mas todos aqueles que passeiam pelo portal Minuto Arapiraca (e, por que não, o grão portal Cada Minuto) para prestigiarem este filme forte, objetivo e poderoso, que nos faz lamentar pelo descaso e manipulação ainda tão vivos no Brasil, mas também a perceber que a não contestação e omissão não nos leva a nada, senão a perca de nossa própria essência de cidadãos e cidadãs.
Novo filme de Tarantino subverte o faroeste com criatividade, bom humor e crítica social
Redação
25/01/2013 07:19
Cinemografia
Bem que Quentin Tarantino poderia ter um ritmo de produção mais atuante, como a de Woody Allene Clint Eastwood, por exemplo, que entregam novos filmes a cada um ou dois anos, pois é incrível a falta que faz ao mundo do cinema suas obras particulares e bastante inspiradas, que ao mesmo tempo desconstroem e constroem a mágica da sétima arte. Finalmente realizando seu primeiro faroeste - mesmo que Kill Bill Vol. 2 tenham elementos vários do gênero, não era um filme assumidamente do mesmo -, Tarantino segue em Django Livre a mesma estratégia de contar uma história sem se preocupar com as amarras da veracidade histórica, empregando sua característica verborragia, exageros estéticos, bom humor e plot twists surpreendentes ao narrar a trajetória do escravo negro (Jamie Foxx, de Miami Vice) em busca da esposa (Kerry Washington, de Ray), que encontra-se em domínio do oligarca Calvin Candy (Leonardo DiCaprio, de A Origem).
Dentre todos os títulos da filmografia de Tarantino arriscaria destacar Django Livre como o mais divertido e "leve". Divertido não no sentido do humor ser objeto de maior destaque na obra, longe disso - até por que todos os filmes do cineasta são construídos numa redoma de humor -, mas sim dela carregar uma aura épica e possivelmente heroica - a tão em voga jornada do herói - que acaba tornando-a no mínimo curiosa e, por conseguinte, super divertida. O caráter de leveza se dá em complemento a esta carga heroica do filme, pois se é mais do que óbvia a acidez e o conteúdo crítico por trás da tragédia da escravidão nos séculos XVII e XVII no lado de cá do hemisfério, a abordagem do filme não deixa de ser mais fantasiosa e branda do que títulos outros do diretor. A bem verdade, talvez pelo filme se encontrar taxado como um faroeste, a opção estética de destacar o meio em detrimento dos indivíduos (no caso, aqueles influenciariam diretamente estes) seja acertada, especialmente por ser esta ser uma das características da gênese deste gênero cinematográfico.
Como não poderia deixar de ser, o casting do filme é fantástico. Jamie Foxx, o intérprete de Django, confere fragilidade e altivez a seu personagem durante sua jornada de aprendizado ao lado do doutor King Schultz (Christoph Waltz, de Deus da Carnificina), um exímio caçador de recompensas que tem como diferencial a eloquência e grande poder de fogo em argumentação. Protagonistas da história, estes personagens são peças importantíssimas para que o filme funcione a contento e isto é conseguido sem grandes esforços. A química entre Foxx e Waltz salta aos olhos e, se Foxx mostra-se um excelente "herói", é impossível não notar que o mesmo ficou um tanto desinteressante frente ao excelente personagem de Waltz. É óbvio que isto não implica na perda de foco do filme, mas serve de termômetro para entender por que Waltz obteve tantas indicações a prêmios, enquanto Foxx ficou a ver navios.
Se os mocinhos estão bem representados, o segundo elemento para manter um filme de aventura interessante - os antagonistas - tem que estar ser bem apresentado. Leonardo DiCaprio não deixa por menos e constrói um personagem interessante, um jovem e rico proprietário de terras no (ainda) desumano estado do Mississípi. É certo que seu personagem se mostra um tanto quanto empalidecido durante boa parte do filme, especialmente se nos lembrarmos de sua capacidade como intérprete em filme anteriores, porém antes do cantar do galo uma grande surpresa acontece e podemos perceber toda a desenvoltura e poder de construção de personalidade de DiCaprio, numa cena marcada por um instrumento deveras inusitado: um martelo. Falar mais estragaria qualquer sensação de deslumbre pelo filme, mas é certo que a metamorfização do personagem é brilhante, justificando assim a presença de um ator deste nível ter sido escalado para o papel.
Entretanto, se DiCaprio guardou um carta na mão e a sacou no início do segundo tempo, o veteranoSamuel L. Jackson (Jackie Brown) surge quebrando paradigmas. Apesar de seguir interpretando tipos valentes e de boca suja, dessa vez Jackson está camuflado por uma excelente maquiagem e por alguns anos a mais - seu personagem é um sujeito idoso -, o que acaba por ajudar a sua ótima condução de um vilanesco lacaio de Calvin Candie, talvez a grande surpresa do filme. Se é possível afirmar que Christoph Waltz"roubou" o destaque do personagem de Jamie Foxx, o mesmo se aplica a Jackson, que acaba por deslocar toda a atenção que tínhamos reservada ao sinhô Candy.
A música é sempre uma característica marcante nos filmes de Quentin Tarantino e neste não poderia ser diferente. Preenchendo o filme com temas e canções de outros filmes - o diretor nunca insere trilha sonora composta especificamente para o filme -, com destaque para os temas de Ennio Morricone para o filme Os Abutres têm Fome e a canção 100 Black Coffins, escrita especialmente para o filme por Rick Ross e Jamie Foxx, além do tema do filme Django, de 1966. É realmente surpreendente a sensibilidade e capacidade de Tarantino em catalogar músicas tão distintas e desconexas temporalmente e criar uma linha narrativa crível quando insertas nas imagens do filme.
O contexto político-social do filme é um personagem à parte, tendo a estilização de Tarantino contribuído imensamente para destacar o quão àquele período foi negro - literalmente - para as pessoas de cor. É comum, em filmes de época, o retrato "politicamente correto" dos então escravos, com sua condição se limitando apenas à dependência perante seu senhor e a falta de liberdade. Contudo, como bem destaca (e exagera) Tarantino, as humilhações e os maus tratos passavam e muito do "aceitável" à condição humana, chegando ao cúmulo da bestialização do negro, que era visto como inferior aos animais, sendo mais do que comum jogá-los aos cães, sem o mínimo de remorso. Obviamente que isso não era regra, muito menos o filme expõe apenas o contexto de forma extremista, mas o discurso é válido e a reflexão importante, pois o grande diferencial da escravidão apresentada no filme é que, apesar de horrível, era exercida às luzes, às portas da sociedade. Já hoje, muitas dezenas de anos após o extermínio oficial de tais práticas, outras formas de escravização permanecem bastante vivas - confundindo-se com trabalho, tráfico etc. -, todavia não mais à luz como à época de Django.
Apesar de ter achado Django Livre um espetáculo de filme e uma homenagem mais do que bem feita ao tão apedrejado faroeste spaghetti, senti falta da aplicação de planos abertos e grandes panorâmicas no filme, como os grandes títulos do gênero possuem (apesar da fotografia de Robert Richardson ser primorosa). Também achei que faltou um maior destaque à transformação do escravo Django ao pistoleiro Django - há quem defenda os seis meses de trabalho do personagem junto ao doutor Schultz durante o inverno, porém Django já se mostrava como um exímio pistoleiro antes disso -, o que possivelmente traria um pouco mais de empatia ao personagem. Então, apesar de ter pequenos defeitos e incongruências - ora bolas, trata-se de um filme, não de uma expressão matemática -, Django Livre cumpre em todas as formas o objetivo de uma obra cinematográfica: entreter com qualidade e despertar reflexões, de uma forma ou de outra.
Adaptação do best-seller sueco resulta num filme forte e com atuações poderosas
Redação
17/01/2013 11:33
Cinemografia
Acredito que Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres seja o filme mais pop da carreira de David Fincher (Se7en, os Sete Crimes Capitais) até então (sim, ainda mais que O Curioso Caso de Benjamin Button e A Rede Social, apesar destes serem mais "acessíveis"), especialmente por se tratar de uma adaptação cinematográfica de um best-seller sueco ainda bastante em voga quando se deu o lançamento da obra fílmica, em 2011. Bastante fiel a obra original, mas principalmente bem executado e construído como filme, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres pode não apresentar um novo lado de Fincher como cineasta, mas condensa com propriedade a técnica do diretor, que já havia visitado o gênero suspense em pelo menos dois trabalhos anteriores, Zodíaco e o já citado Se7en.
Apontado por mim como um dos dez melhores filmes lançados em 2012, o filme é competente ao apresentar duas tramas distintas - a de Mikael Blomkvist (Daniel Craig, de 007 - Operação Skyfall) e a de Lisbeth Salander (Rooney Mara, de A Rede Social) com o mesmo nível de interesse, desenvolvendo com propriedade os dois personagens que terão suas vidas conectadas a partir do segundo ato do filme. Carregado, tenso e violento, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres não se contenta em ser apenas um thriller de investigação, pois carrega nas entrelinhas crítica política (como se cria e se mantém um império bilionário em plenos século XXI?) e social (a descrição da sociedade sueca feita por um determinado personagem do filme pode ser atribuída a qualquer nação do lado ocidental), além de funcionar como filme-denúncia aos maus tratos às mulheres, também com foco no país ambiente da obra, Suécia, mas que é entendido como igual em qualquer parte do mundo.
Os inúmeros detalhes dispostos no filme são condensados com eficiência pelo roteirista Steven Zaillian(vencedor do Oscar por A Lista de Schindler), que não perde a mão nem mesmo ao desenvolver os momentos supostamente menos importantes à trama com profundidade. Eis um elemento que se encontra amparado em todos os âmbitos da película, pois mesmo se tratando de um produto de entretenimento em momento algum os envolvidos na produção se furtam de desenvolver ao máximo o entorno do filme, tornando-o não só eficiente como entretenimento, mas dando um corpo de profundidade sincera ao seu entorno.
No âmbito técnico não há muito a se discutir. Apoiado por alguns dos melhores profissionais do ramo,David Fincher constrói o filme de forma a destacar o clima de isolamento proporcionado pelo inverno sueco, juntamente ao clima de urgência e tensão, elementos caros a maior parte da filmografia do diretor. Apesar do filme possuir certa uniformidade, é impossível não destacar o trabalho do diretor de fotografiaJeff Cronenweth (Clube da Luta), que extrai beleza de um ambiente extremamente apático e inóspito, especialmente ao destacar as personagens em contraponto a geleira ao redor em tomadas panorâmicas. Outro grande estaque encontra-se no campo sonoro, pois tanto a trilha musical assinada pela dupla Trent Reznor e Atticus Ross (A Rede Social) quanto a edição (Ren Klyce) e mixagem de som (David Parker,Michael Semanick, Bo Persson e Klyce) são impecáveis, grandes responsáveis pela ampliação do clima frio e de tensão proposto pela estética da obra. Não à toa estes foram agraciados com indicações ao Oscar.
Por fim, mas não menos importante, há de ser destacada a composição da dupla de protagonistas do filme, Daniel Craig e Rooney Mara, que ao lado de Fincher e Zaillian criam personas críveis e carismáticas, mesmo que recheadas de idiossincrasias e no mínimo problemáticas, talvez sendo suas características estranhas que despertam tanto a atenção do espectador. Craig, apesar de contido, acrescenta alguns tiques e manias ao seu personagem que acabam por estabelecer com mais precisão a personalidade do mesmo, sendo impossível não sentir empatia pelo seu jornalista de óculos dependurado em uma das orelhas. Contudo, mesmo que o trabalho do atual James Bond do cinema seja digno de aplausos, inquestionavelmente o grande nome do filme é Rooney Mara, que literalmente se entrega de corpo e alma a complexa personagem Lisbeth Salander, hacker que domina e é constantemente dominada pela violência e que usa da aparência e das práticas ilegais como uma maneira de se desprender de sua triste realidade. Indicado a diversas premiações de gabarito por esta composição de personagem - inclusive os tarimbados Oscar e Globo de Ouro -, Mara brilha neste seu primeiro trabalho como protagonista de um filme, estabelecendo uma versão de Salander tão interessante quanto a da atriz Noomi Rapace (Prometheus), que fez a personagem na adaptação sueca de 2009.
Bem pensado em todos os sentidos, inclusive fechando seu ciclo narrativo ao ter um início e fim em clima de melancolia, é certo que Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres não é uma unanimidade entre aqueles que apreciam o trabalho de Fincher, que o consideram como um "filme de encomenda" e destacam que a direção do mesmo apresenta-se um tanto quanto "óbvia" demais em alguns momentos. Contudo, particularmente acredito que tal abordagem tenha sido proposital e serve a narrativa do filme, justamente pela questão da frieza e apatia proporcionada pelo ambiente (natural e pessoal - o que seria a família Vanger se não um exemplo de desapego e falta de vida/luz/calor?) no qual a trama se passa ser refletida no âmbito técnico, dando assim coesão à obra como um todo. Certamente não consideraria este como o melhor filme de David Fincher, mas isso em nada extirpa suas virtudes, especialmente a de ser um ótimo filme de gênero, muitíssimo bem conduzido e, por que não, surpreendente. Ainda não é certo se haverão mais duas sequências - ainda existem mais dois livros que fecham a "saga" Blomkvist/Salander -, porém o filme funciona sozinho, independentemente do gostinho de quero mais que fica após o seu desfecho.
Obs.: A apresentação dos créditos inciais do filme está entre os melhores já vistos nos últimos dez anos, mesmo que para alguns - "insensíveis?" - não seja mais do que um video-clipe anexado ao filme.
Nem só de comédias com cara de especiais de fim de ano da tevê vive o cinema nacional
Redação
03/01/2013 07:31
Cinemografia
É certo que Paraísos Artificiais foi uma das grandes surpresas do ano no que se refere a filmes nacionais. Conciso em termos narrativos e tecnicamente primoroso, este primeiro filme de ficção dirigido por Marcos Prado (Estamira) comprova que o país possui recursos e técnica suficiente para produzir obras tão interessantes e requintadas tecnicamente quanto as estrangeiras, bastando apenas o devido investimento financeiro por parte dos produtores. Como este filme conta com a produção daZazen Filmes, capitaneada pelo consagrado cineasta José Padilha (Tropa de Elite), o diferencial é notável.
Um dos diferenciais de Paraísos Artificiais é que o binômio juventude/drogas tema do filme não é apresentado de maneira forçada ou carola, muito pelo contrário, o mesmo surge contextualizado e orgânico, tendo função narrativa complementar à jornada passada pelos personagens do filme, especialmente as de Erika (Nathalia Dill, de Feliz Natal) e Nando (Luca Bianchi, de Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro), os protagonistas da obra. Apesar de dividida em três linhas temporais, a trama do longa é simples, focando no relacionamento interpessoal entre Erika e Nando e entre estes com amigos e familiares, estabelecendo não só um link com a abertura da juventude ao consumo de álcool e substâncias entorpecentes como válvula de escape, mas também os dissabores e confusões pautados a esta época transicional.
O filme é formado quase que totalmente por um elenco jovem (além de Dill e Bianchi, ganham destaque em cena Lívia de Bueno, César Cardadeiro e Bernardo Melo Barreto), tanto em idade quanto em experiência cinematográfica, porém alguns "veteranos" fazem pontas narrativamente marcantes, comoRoney Villela (Meu Nome Não é Johnny) e Emilio Orciollo Netto (Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro). Destaco também a presença do ator alagoano Erom Cordeiro (O Palhaço), em curta mas eficiente participação. O trabalho de atuação apresentado pelo elenco do filme é muito bom, tendoMarcos Prado se saído muito bem nesta transição entre direção de documentários para longas de ficção. Contudo, é inegável que o grande destaque está na entrega da atriz Nathalia Dill, que em seu primeiro papel como protagonista de um longa não se esmorece e mostra uma performance de fazer inveja a muitas atrizes veteranas.
Paraísos Artificiais tem uma premissa bacana, no entanto é inegável que o grande destaque do filme não reside nela ou em uma outra interpretação. A peça motriz do longa encontra-se no cinematógrafoLula Carvalho (À Beira do Caminho), que compõe aqui uma das mais belas fotografias já vistas este ano, com composições e enquadramentos que vão além da narrativa, entregando um personagem novo, verdadeiro e importante à premissa do filme. Seja nas cenas praianas, na batida das rave, na representação de viagens alucinógenas ou na apresentação do dia a dia das personagens, a câmera de Carvalho capta imagens tão belas que é impossível não fixar o olhar no quadro destacado por inteiro. Mesmo que todo o filme seja belissimamente captado, é impossível não destacar a sequência da chegada das personagens Erika e Lara a uma praia pernambucana, antes e durante as visões repletas de alucinações vividas especialmente pela primeira.
Mesmo com uma produção caprichada, Paraísos Artificiais acabou não despertando muito a atenção do público, já que teve uma rápida passagem quando em cartaz nos cinemas. A crítica em geral também não destacou tanto o filme, o que considero injusto, pois é óbvio que mesmo tratando de um tema "batido" e não possuindo um enredo de grande complexidade narrativa, são poucos os filmes nacionais que focam o ambiente jovem de forma tão séria - palavra-chave - quanto este. É certo que o filme não desperta grande atenção ou entrega questionamentos de outro mundo, porém a trama "pé no chão" mostra-se interessante e entretém, sem em momento algum soar pedante ou apelativo em demasia, mas sim possuindo um raro equilíbrio no que se refere a filmes da pegada semelhante.
O ritmo do filme não é dos melhores, assim como há um certo excesso de coincidências na conexão de alguns personagens à trama, mas isto não é demérito exclusivo de Paraísos Artificiais (a bem verdade, são raros os filmes que unem personagens a tramas paralelas que não possuam furos ou apelem para "coincidências forçadas" em algum momento) e não chega a estragar a experiência cinematográfica que é assisti-lo. Sem direcionar tanto a narrativa com a finalidade de criticar a conduta da juventude hoje, o filme se interessa mais em contar uma história de amor e perda e, por que não, de segunda chance. E nesse sentido, é certo que o mesmo é bem sucedido. Porém, se o tema ou a abordagem do longa acabem por não te interessar, ainda assim recomendo conferi-lo, nem que seja apenas para se maravilhar com a primorosa fotografia do filme, que para mim - sem desmerecer o todo e a parte da obra - é o que há de melhor nele.
Retorno a Terra-Média impressiona, mas não traz a magia de outrora
Redação
20/12/2012 07:51
Cinemografia
O retorno de Peter Jackson ao universo concebido por J. R. R. Tolkien rende um filme muito bom, porém sem o equilíbrio apresentado na trilogia O Senhor dos Anéis, além da tentativa de emular esta em diversos momentos do filme, o que tem sentido já que as histórias dos filmes fazem parte do mesmo universo, porém acabam por deixar O Hobbit: Uma Jornada Inesperada sem uma cara própria, o que a obra em si pede, pois apesar de mexer com elementos e personagens apresentados anteriormente em O Senhor dos Anéis, a realidade de O Hobbit é outra, portanto a mise en scene também deveria ser.
Não quero aqui taxar essa primeira parte de uma nova (e polêmica) trilogia de O Hobbit como ruim, decepcionante ou fraca, pois isso está longe da realidade, visto que, apesar dos vários problemas de narrativa - os quais comentarei logo em seguida -, o filme empolga, desperta sentimentos parecidos com aqueles descobertos ao conferir a trilogia do anel, além de ser visualmente impecável, tanto pelo 3D imersivo, quanto pelo cuidado da produção, que utilizou o que há de mais eficaz na tecnologia atual para conceber este filme.
Contudo, apesar do arroubo técnico, a estrutura narrativa de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada sofre pela ineficiência de sua montagem, muito disso devido ao excesso de anexos postos ao filme, com inferências a diversos eventos que não tem, num sentido objetivo, ligação direta com o evento principal da trama: a expedição de Bilbo (Martin Freeman, da série britânica Sherlock), Gandalf (Ian McKellen, de Deuses e Monstros) e treze anões em busca do tesouro roubado destes. Há uma óbvia tentativa de emular a estrutura de A Sociedade do Anel, com a inclusão de um flashback inicial que mistura a apresentação do livro de Bilbo com parte do passado de Thorin, Escudo de Carvalho (Richard Armitage, de Capitão América: O Primeiro Vingador), que é bem construída e desperta curiosidade no espectador, mas parece um tanto longa demais. Além disso a concepção de algumas cenas são quase que copiadas da trilogia do anel (o que mostra certo comodismo por parte de Jackson, já que criatividade há de sobra no cineasta) e uma, em específico, é praticamente igual a um momento de King Kong, também dirigido por Jackson, que resulta na cena mostrada no encerramento do último trailer de O Hobbit, onde algo cai em cima de um punhado de anões.
Os novos nomes que compõem o elenco estão muito bem em sua maioria, entretanto é impossível não destacar o Bilbo de Martin Freeman, que não apenas honra a versão imortal de Ian Holm (Alien, o 8º Passageiro), como amplia a caracterização, complementando com perfeição a persona do personagem que apenas tinha sido sugerida em O Senhor dos Anéis. Carismática e envolvente, é correto afirmar que sua presença é o motor do filme, portanto é uma pena que lá pela metade do mesmo esta se torne tão apagada (Jackson opta por dar maior destaque a Thorin), o que só é "consertada" quando é apresentado o clássico momento das charadas no escuro, onde Bilbo conhece o esquizofrênico Gollum (Andy Serkis, de As Aventuras de Tintim).
Quanto a Thorin, apesar da composição de Richard Armitage não ser ruim, o personagem não chama muito a atenção, talvez pela "Aragornização" do mesmo, que deve sempre provar que é O líder, apesar da amargura e das dúvidas que carrega ou pela falta de carisma do intérprete, que não tem nada a ver com sua capacidade como ator, mas sim com o seu poder de convencimento. Enfim, acredito que Armitage faz o possível por seu personagem, mas a tendência de estabelecer o mesmo como o grande herói da aventura ainda não convenceu. Dentre os anões, acredito que o melhor em cena seja Balin, interpretado por Ken Stott (Cova Rasa), muito devido ao seu maior contato com Bilbo do que os demais anões.
Os velhos conhecidos Ian Mckellen, Andy Serkis e Ian Holm mantém-se impecáveis em suas composições, parecendo até que acabaram de sair das filmagens de O Senhor dos Anéis, especialmente o primeiro, que repete os conhecidos maneirismos de seu Gandalf, mas ao mesmo tempo confere um pouco mais de pureza e "inocência" a personagem, até por que os eventos narrados neste O Hobbit são antecedentes aos de O Senhor dos Anéis. Destaco também o Gollum de Andy Serkis, ainda mais crível. Contando também com as pontas de Elijah Wood,Hugo Weaving, Cate Blanchett e Christopher Lee, o filme acaba ganhando em unidade por se relacionar intrinsecamente com a trilogia anterior, contudo em alguns momentos a exploração destes personagens no filme acaba por reduzir o ritmo do mesmo, especialmente nas cenas com o Frodo de Elijah Wood, que servem narrativamente como elo de ligação lógica entre as histórias, mas contribui para a morosidade do ritmo do filme, aspecto este presente em quase toda a projeção, infelizmente.
O retorno à Terra-Média é mágico com O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, especialmente por todo o cuidado visual da produção, que reproduz com fidelidade os cenários e paisagens vistos nos três filmes que compõem O Senhor dos Anéis, além de apresentarem muitos novos que mantém este "estilo" consagrado anteriormente. É sabido que este filme seria dirigido por Guillermo Del Toro (Hellboy), sendo assim gerava curiosidade a respeito de quais seriam suas contribuições para a concepção visual da obra. Quanto a isto admito que fiquei um tanto decepcionado, porque há tão pouco do universo imagético de Del Toro em O Hobbit, já que o esperado era uma aproximação de seu estilo na composição das criaturas apresentadas. Há um pouco do cineasta no filme, especialmente no visual dos goblins, mas parece pouco em comparação ao todo da obra.
Voltando à magia, o visual de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é no mínimo deslumbrante, com a equipe de arte dando um show de inventividade, além da deslumbrante fotografia de Andrew Lesnie, o mesmo da franquia O Senhor dos Anéis. Todavia, não senti o mesmo peso na trilha sonora original de Howard Shore, já que os únicos temas que permaneceram em minha mente após a sessão foram aqueles reproduzidos ou derivados de O Senhor dos Anéis, o que é uma pena, pois é mais do que reconhecida a capacidade de Shore como compositor. É óbvio que isto não desmerece seu trabalho no filme, pois o mesmo consegue (ao lado do departamento de som) criar imersão suficiente aos climas propostos por Jackson e cia., sendo a única ressalva a falta de temas que grudem na mente.
Uma observação que nada tem a ver com a qualidade ou não do filme está na questão do 3D. É certo que a aplicação da tecnologia em O Hobbit foi acertada, pois tanto se sai da tela, quanto se entra na mesma, porém não sei se o filme realmente ganha com ela, porém acredito que nada perde (o que, para uma tecnologia ainda tão criticada como a 3D, é um ganho e tanto). Mas, mesmo que seja bem empregada, é inevitável o cansaço provocado pelos óculos (ainda mais quando se sofre de miopia e tem que se utilizar um par de óculos sobre outro), além da perda de certas informações devido a rapidez da condução de algumas sequências - que, aos meus olhos, pareciam mais um borrão de imagens do que qualquer outra coisa -, o que é agravado pelo fato do filme ser bastante longo, beirando as duas horas e cinquenta de projeção.
De certa forma, a magia apresentada na trilogia O Senhor dos Anéis foi mantida por Peter Jackson em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (mesmo que em alguns momentos em demasia), porém a opção de expandir o universo e transformar um simples filme de aventura numa odisseia de eventos parece ter, neste primeiro momento, prejudicado mais a obra do que a tornado épica e impecável. É óbvio que o fã mais ardoroso negará ou não tomará tais argumentos como balizadores de uma possível falha de abordagem de Peter Jackson, contudo eu, como fã, acredito que ocorreram excessos que negativizaram a obra, tornando-a um tanto menos perfeita (em todos os sentidos) do que a trilogia do anel e, antes que alguém me venha com "churumelas", é impossível dissociar uma da outra, especialmente por ambas pertencerem ao mesmo universo e terem sido concebidas pela mesma equipe.
Não conferi O Hobbit: Uma Jornada Inesperada em 48 quadros por segundo, mas confesso que após a sessão em 3D senti a necessidade de rever o filme no confortável e inquestionável 2D, que pode ter o poder de melhorar um pouco minhas impressões sobre o filme, mesmo que possivelmente não o ritmo do mesmo, que mostra-se problemático, sendo talvez o maior vilão a desqualificação do mesmo ao patamar de impecável, todavia não retira seu selo de imperdível. A magia da Terra-Média permanece em O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, resta-nos esperar para que seu miolo e conclusão mostrem-se menos ansiosos e mais equilibrados narrativamente do que este belo, mas assim como seu protagonista, falível episódio.
Choque de realidade em "Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global Visto do Lado de Cá"
Redação
10/12/2012 10:14
Cinemografia
"... o Brasil jamais teve cidadãos. Nós, a classe média, não queremos direitos. Nós queremos privilégios. E os pobres não tem direitos. Não há, pois, cidadania neste país. Nunca houve" (Trecho de discurso do geógrafo e intelectual brasileiro, Milton Santos).
"A democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada, por que o poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não gosta e por outro de que talvez venha a gostar. Nada mais. As grandes decisões são tomadas numa outra grande esfera e todos nós sabemos qual é. As grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, as organizações mundial de comércio, os bancos mundiais, tudo isso e nenhum desses organismos é democrático. Portanto, como é podemos continuar a falar de democracia se aqueles que efetivamente governam o mundo não são elegidos democraticamente pelo povo? Quem é que escolhe os representantes dos países nestas organizações? Onde está então a democracia?" (Trecho de discurso do escritor e jornalista português vencedor do Prêmio Nobel, José Saramago).
O documentário dirigido por Silvio Tendler (Os Anos JK) é parcial e possivelmente não deve ser compreendido em sua totalidade como registro da verdade absoluta. Todavia, é bastante óbvio que a discussão apresentada pelo mesmo é válida, urgente e atual, pois o alarmante contraste econômico-social advindo principalmente após o processo de globalização é absurdamente largo e com isso diversas formas de pensamento contrárias a ordem politicamente dominante são rechaçadas, o que é no mínimo irônico por estarmos inseridos no exaltado (e possivelmente superestimado e utópico) regime democrático. Assim como o geógrafo baiano Milton Santos, não sou vinculado a nenhum partido político, nem hasteio bandeiras de cunho ideológico, pois também acredito na pluralidade de ideias e pensamentos, mas é certo que as mensagens elencadas em Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global Visto do Lado de Cá despertam sérias reflexões quanto a condução do nosso mundo e de como este estará amanhã.
A bem verdade praticamente nada do que é abordado no filme de Silvio Tendler pode ser considerado novidade, até por que a miséria, mesmo decupada, colorida e estilizada apresentada pelos veículos midiáticos, se fazem presente no nosso dia a dia, porém como dito optamos por fecharmos os olhos, por comodismo ou culpa, mas o fato é que estes assim permanecem. Se o filme é de esquerda, de direita ou de centro, ao meu ver isso pouco importa, pois a mensagem transmitida pelo mesmo é rica, válida e urgente, merece estudo e reflexão, deve ser compartilhada, analisada e comparada, pois mesmo que haja - como em qualquer manifestação individual ou coletiva - parcialidade na abordagem de algumas discussões, a essência do discurso é importante e não pede apenas concordância à urgência de mudanças, mas sim da prática de ações, que por sinal vem ocorrendo, apesar da não participação do Estado ou das organizações econômicas como incentivadoras.
É importante destacar a presença dos artistas Beth Goulart, Fernando Montenegro, Matheus Nachtergaele, Milton Gonçalves e Osmar Prado como narradores do documentário, pois acabam por autenticar o caráter plural do projeto, já que acabam "emprestar" seu renome e visibilidade a um produto de tema tão delicado e polêmico, porém como registrado mais de uma vez, importantíssimo de ser debatido. Além destes, há depoimentos de gente do naipe de José Saramago, Eduardo Galeano e do saudoso Milton Santos, que abrilhanta a discussão ao dispor - sempre com um grande sorriso no rosto - argumentos precisos acerca da condição distinta do povo latino-americano e de sua tendência em absorver tudo e todos no que se refere a costumes, tendências e estilo do que é exportado pelos Estados Unidos e Europa. Obviamente a discussão não se limita as peculiaridades dos efeitos da globalização no âmbito da América Latina, pois o continente africano também tem grande importância aos conceitos apresentados pelo filme, mas aquele com certeza é o personagem principal da obra, representado pelos vários guerreiros e guerreiras que digladiam a todo momento contra as paredes do sistema político-econômico-social vigente e vencem pequenas batalhas rumo a conquista de dignidade e visibilidade social.
Bem mais preocupado com o conteúdo do que com a forma ou a técnica, Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global Visto do Lado de Cá é bastante convencional em sua abordagem, inclusive aproveitando ao máximo a imagem (e depoimentos) de Milton Santos como personagem central à trama, deixando as demais personagens como muletas conceituais aos dizeres do hoje falecido geógrafo brasileiro. Dividido em atos, o documentário não apresenta grandes artifícios narrativos ou um ritmo diferenciado, mas consegue envolver pela proposta da discussão e chama a atenção pela alternância de narradores durante a projeção.
Por fim, talvez ao termo que mais represente o objetivo da obra e, principalmente, a ideologia da personagem principal da obra seja a solidariedade. Esta é uma palavra bela, muito falada, mas dificílima de ser praticada, pois tirar o pouco de seja de si e entregar ao outro sem um mínimo de rancor ou dúvida é praticamente impossível para o ser humano hoje, construído e reconstruído num ambiente entrecortado por egoísmo e sonhos individuais. Essa parece ser a realidade nossa e, ainda mais tristemente, do brasileiro, filho nato da religião como muleta da vida, religião esta que apregoa a fraternidade e, por conseguinte, a solidariedade como finalidade mor (não fora Jesus que cedeu a outra face para que também fosse espancada? ), mas que é insistentemente relegada pelos crentes mais devotos, muito em função da ambição, do egoísmo e da hipocrisia social, sobrando apenas a velha máxima contraditória "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" a catequizar as próximas gerações. Vítima eu, vítima tu e assim nós vamos.
Após Cidade de Deus e Ensaio Sobre a Cegueira, Meirelles "descansa" a criatividade com 360
Redação
27/11/2012 13:35
Cinemografia
(...) Só se vive uma vez. Quantas chances teremos?". (trecho de reflexão oralizada por alguns personagens do filme).
Dentre todos os filmes dirigidos por Fernando Meirelles (Cidade de Deus), com certeza 360 é o mais fraco. No entanto, isto não significa que o mesmo é um filme ruim, por que não o é, todavia é o mais pretensioso e monótono da carreira do cineasta brasileiro, que parece ter realizado esta obra apenas para poder trabalhar com o premiado roteirista e dramaturgo inglês Peter Morgan (A Rainha) e com um elenco de estrelas de quase todos os cantos do mundo. Dono de uma narrativa que bebe bastante do estilo dos filmes da dupla Alejandro González Iñárritu / Guillermo Arriaga, especialmente ao relacionar personagens desconhecidos e separados geograficamente a eventos em comum, 360 é sabotado pela própria ambição, visto que mesmo possuindo um elenco magnífico e abraçar uma trama com óbvio conteúdo reflexivo, acaba não funcionando por completo, justamente por que nem todas as histórias paralelas que conjugam a trama do filme mostram-se interessantes. A bem verdade algumas são tão apáticas e desinteressantes que poderiam ser descartadas sem prejuízo quase algum ao produto final.
Chega a ser triste constatar que algumas tramas do filme são tão insípidas, pois é mais do que notória a qualidade de Peter Morgan como escritor e, como o problema de 360 encontra-se na construção do roteiro, cabe a responsabilização ao roteirista pela inconstância de bons e maus momentos que se apresentam à obra. Fernando Meirelles, apesar de não ter tido uma sensibilidade acurada para amarrar com mais força o script problemático de Morgan, dá um show de direção, estabelecendo elementos interessantes nos enquadramentos e filtros fotográficos - destaque para o bom trabalho do seu cinematógrafo, o também brasileiro Adriano Goldman (Jane Eyre) -, inclusive apresentando muitas cenas onde os reflexos das personagens no espelho tem papel fundamental na sedimentação da temática explorada pelo filme (conexão entre as pessoas, busca por completude, falhas de caráter, dúvidas, ânsias etc.), além de estabelecer com brilhantismo (mesmo que, as vezes, em excesso) os signos aeroporto e avião como praticamente protagonistas deste filme sem rosto próprio, até por que não há uma única história que possa ser apontada como principal (mesmo que existam as desnecessárias).
Apesar do elenco de 360 contar com nomes do gabarito de Anthony Hopkins (O Silêncio dos Inocentes), Rachel Weisz (A Fonte da Vida), Jude Law (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), Ben Foster (Contrabando), Jamel Debbouze (Angel-A), Moritz Bleibtreu (A Experiência) e Maria Flor(Proibido Proibir) entregando boas performances, o plot de alguns deles é tão sem expressão dramática que a "coisa" simplesmente não pega, tornando a experiência cinematográfica cansativa e morosa. Destes citados, acredito que os personagens de Law e Weisz sejam os menos interessantes e o de Debbouze o mais deslocado para o "sentido" da obra, "salvando-se" assim a pequena (em comparação as dos demais) mas marcante participação de Hopkins e a interessante intersecção entre as personagens de Flor e Foster, que juntamente ao clímax do filme (onde acompanhamos os personagens de Vladimir Vdovichenkov,Gabriela Marcinkova, Lucia Siposová e Mark Ivanir) sagra-se como o melhor momento de 360.
Mesmo que o grande elenco e com a direção segura de Fernando Meirelles não sobra muito em termos de interesse a 360 como obra cinematográfica. A premissa e o conteúdo reflexivo desta apresenta-se pequena diante da irregularidade na construção das tramas e a montagem do filme não ajuda neste sentido (por sinal, a cargo de outro parceiro recorrente de Meirelles, o competente Daniel Rezende), torando este um produto cinematográfico aborrecido e chato, que erra o alvo ao exigir reflexão perante o espectador, pois a bem verdade a suposta profundidade "vendida" pelo longa não se apresenta tão profunda assim.
Entretanto, apesar deste não ser o trabalho mais interessante e competente de Meirelles e Morgan - além de não mostrar nenhuma performance absolutamente arrebatadora por parte de algum membro do elenco -, 360 não é o filme ruim que a crítica especializada atestou (e que, por sinal, acabou - teoricamente - afastando o público do filme), pois mesmo que conceitualmente seja falho, traz lampejos de inventividade, em especial pela direção competente de Meirelles e pelo esforço de grande parte do elenco, que parecem realmente comprar a obra. 360 está consideravelmente longe da qualidade temático-conceitual (e de execução, por que não) dos últimos trabalhos do diretor, especialmente se comparado aos três últimos (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira), mas apresenta alguns bons momentos, mesmo que em essência seja um filme bastante enfadonho, narrativamente e conceitualmente.
Centenário de Luiz Gonzaga é coroado com boa "cinebiografia"
Redação
17/11/2012 01:00
Cinemografia
Percebo agora, após conferir Gonzaga – De Pai pra Filho, que aprecio bastante o trabalho de Breno Silveira (À Beira doCaminho) como diretor, até por que gostei de todos os seus trabalhos até então. Geralmente com alto teor emocional, os roteiros dos filmes de Silveira me transmitem uma forte imersão catártica, causando uma identificação imediata com os dilemas apresentados e os tipos imersos às tramas, mesmo que estas não possuam uma relação direta com o meu meio social ou com minha trajetória de vida. Por isso mesmo que considero Silveira um ótimo contador de histórias, quase que como um pintor de temas simples, mas com cores suficientes para encantar a todos.
Após a estrondosa estréia comandando a cinebiografia dos cantores sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, no filme 2 Filhos de Francisco, Silveira retorna ao ambiente biográfico e aproveita o momento comemorativo do centenário do rei do baião Luiz Gonzaga para contar um pouco da trajetória de vida do talvez mais famoso artista do nordeste brasileiro de todos os tempos. Amparado nos conflitos circunstanciais de Gonzaga e seu filho Gonzaguinha (Julio Andrade, de Cão Sem Dono), o filme traz alguns bons elementos acerca da jornada musical do rei do baião, porém apenas como forma de ilustrar o nebuloso relacionamento entre este e seu filho, que acaba sendo o mote da obra, a busca de entendimento entre essas duas almas nobres.
Apesar de interessante e bem amarrado, o relacionamento entre pai e filho acaba por não constituir o ponto de maior interesse do filme, até por que a provável busca do espectador durante toda a projeção será a de conhecer mais detalhadamente a jornada de vida do velho Lula, passando do anonimato ao sucesso, da infância pobre ao sorriso marcante no rosto e, a grosso modo, esses momentos não são trabalhadas de forma aprofundada pelo longa.
Gonzaga – De Pai pra Filho não preenche estas lacunas por completo, até por que "diz" - o próprio título da obra já adianta o possível engano - que não era a isso que se propunha. Todavia, a magia vista a cada presença de um dos intérpretes de Luiz Gonzaga – são vistas três fases distintas do músico, tendo como intérpretes Land Vieria (na adolescência), Chambinho do Acordeon (idade adulta) e Adélio Lima (quando idoso) – confirma que, querendo o diretor Breno Silveira ou não, a procura primeira do públcico sempre foi pela redescoberta do garoto pobre nascido em Exu e que cruzou o Brasil de norte a sul com um sorriso largo a cortar o rosto e muita energia para compartilhar e não pelo registro dos trincados relacionamentos pessoais de Gonzaga durante sua vida artística, especialmente com seu primogênito.
No entanto, apesar de não se encaixar a contento como uma cinebiografia, Gonzaga - De Pai pra Filho é um a ótima obra cinematográfica, recheada de momentos marcantes, alguns detalhes de cunho revelador e outros de pura emoção, característica esta inerente ao cineasta Silveira, que não traz rompantes de gênio neste seu novo trabalho, mas como dito acima confirma sua competência como contador de histórias. Começando a carreira como diretor de fotografia (é sua a de Eu, Tu, Eles), Breno Silveira transforma esta experiência num dos maiores trunfos do filme, visto que ao lado do fotógrafo Adrian Teijido (O Palhaço), conduz belas imagens do sertão nordestino, do Rio de Janeiro nos anos 1940 e demais localidades abraçadas pelo filme, através de planos impecáveis.
Em suma, a equipe técnica do filme está de parabéns, pois realmente sagram-se competentes em transportar o espectador para cada um dos períodos entrecortados pelo filme. O compositor Berna Ceppas (O Passado) utiliza bem as linhas melódicas das músicas de Luiz Gonzaga para construir a trilha incidental do longa, sagrando-se como elemento importantíssimo a caracterização emocional pretendida por Silveira, sem exageros ou manipulações indevidas, constituindo assim um dos destaques do filme.
Por fim, uma obra desse quilate não haveria como dar certo caso não contasse com um elenco bom e carismático, o que felizmente Gonzaga - De Pai pra Filho possui. Entre tantas boas performances e participações especiais de nomes consagrados (como a de João Miguel, por exemplo), não há como não destacar os três intérpretes de Luiz Gonzaga (especialmente Chambinho do Acordeon e Adélio Lima, pois estes são os que possuem mais sequências impactantes e maior tempo de tela) e o grande trabalho de composição do gaúcho Julio Andrade como Gonzaguinha, que como nas grandes cinebiografias hollywoodianas, desaparece dentro do personagem, tamanho a semelhança física entre intérprete e personagem.
Talvez feito as pressas ou com um perfil excessivamente comemorativo, no final das contas isso não importa tanto visto a qualidade do material final e a sinceridade que transparece à obra. Gonzaga - De Pai pra Filho pode não ser exatamente aquilo que gostaríamos, mas talvez se torne aquilo que precisávamos, pois num âmbito pessoal senti um efeito catártico muito forte e possivelmente muitos outros sentirão algo parecido. Tecnicamente deslumbrante e dono de uma história de fácil entendimento e apelo, certamente o filme tornar-se-á um dos maiores sucessos nacionais do ano de forma merecida, pois tem qualidade suficiente para isto e um inegável apelo junto ao público. Não se este trabalho se configura como o melhor de Breno Silveira como diretor, mas é certo que nivela-se grau a grau com seu maior sucesso. Em suma, um filme bonito e bem realizado, que homenageia com competência aos míticos Gonzagas e possivelmente verterá lágrimas, de tristeza e de alegria, do público Brasil afora.